Na Terra dos Mortos que Vivem

Prentiss Tucker  

 

CAPÍTULO V

 

O IRMÃO MAIOR EM PESSOA

 

Jimmie e Louise esperaram o abrir da porta com igual temor. Louise não acreditava em uma única palavra daquela maravilhosa história que Jimmie lhe havia contado, embora estivesse firmemente convencida que ele acreditava nisso. Jimmie, por sua vez, com sua intensa memória da aventura, estava certo de que aquilo tudo realmente tinha acontecido, mas estava temeroso do resultado dessa prova física, concreta, e estava pensando que desculpa daria se, como receava, a casa fosse habitada por estranhos.

       Louise esperava que a porta fosse aberta por um porteiro comum e que a desilusão inevitável aconteceria. Estava tentando encontrar uma solução para ajudar Jimmie a enfrentar esse desapontamento. Jimmie abrigava os mesmos temores e buscava também uma razão admissível para justificar a Louise o engano de sua visão tão peculiar. Encontrava-se nesta difícil situação quando a porta se abriu.

Diante deles, com um sorriso de boas vindas e levemente irônico, como se, de alguma forma tivesse adivinhado suas perplexidades, estava o homem dos seus sonhos, idêntico em todos os detalhes do vestuário e da maneira de ser com aquele estranho e poderoso personagem que se tornara tão familiar a ele na chamada Terra dos Mortos que Vivem, sob o nome de “Irmão Maior”.

Aceitando seu convite cordial, eles entraram em uma biblioteca bem mobiliada e sentaram-se. Só aí Jimmie conseguiu recuperar-se suficientemente de seu espanto, para poder fazer as apresentações. Com algum embaraço, ele apresentou o Sr. Campion para a Srta. Louise Clayton, com a breve declaração de que ela era a enfermeira que havia tomado conta dele durante sua recuperação. Acrescentou que havia narrado a ela sua grande aventura e insistido para que o acompanhasse nesta expedição.

- Estou muito contente que você tenha feito isto, tenente Westman, pois a Srta. Clayton foi escolhida para ser sua enfermeira por diversas razões, sendo que uma delas é que ela é uma alma bastante avançada e foi determinado que o trabalho de reintegração de seu corpo vital seria feito com maior facilidade e mais rapidamente com a ajuda dela do que através de outra enfermeira disponível. Como vê Srta. Clayton conheço-a bem, embora nunca nos tenhamos visto antes.

Louise respondeu de forma educada e um pouco formalmente, mas não foi capaz de esconder sua incredulidade à afirmação feita pelo Sr. Campion.

- Não obstante - continuou o Sr. Campion como se estivesse respondendo a alguma objeção - você foi escolhida e a sabedoria da escolha está aparente no resultado. Você tem uma aura forte e bem desenvolvida, e suas vibrações são harmoniosas devido a algumas combinações estelares das quais você não está crente, foi uma grande ajuda quando Jimmie (não vou chamá-lo mais tenente) estava recuperando a consciência. Você deve lembrar-se que quando se debruçou sobre ele para tentar ouvir o que ele estava murmurando, ele perguntou-lhe por que você não brilhava e onde estava sua aura e depois, imediatamente desculpou-se afirmando que você brilhava.

Louise estava perplexa. Ninguém estava presente para ouvir aquela conversa sussurrada. A enfermeira-chefe não havia saído do hospital, portanto, não podia ter procurado este homem e contado a ele. Além do mais, ela nada havia contado à enfermeira-chefe nem falado sobre isto com alguém mais. Ela tinha a certeza que Jimmie não saíra do hospital exceto a única vez na qual quase brigaram. Será que ele escrevera a esse homem ou esse homem tinha o poder de ler a mente? Se Jimmie tivesse escrito, ele a estaria enganando. Se o homem lesse a mente, ele era uma pessoa perigosa e astuta. Ela não sabia o que dizer, portanto, ficou em silêncio, mas seu olhar percorreu a sala.

O Sr. Campion disse:

- Srta. Clayton, tenho a certeza que irá perdoar-me se eu tentar tranqüilizar sua mente, e, em conseqüência, a de Jimmie também. Para conseguir isto, é necessário que eu faça algumas afirmações que não poderão ser provadas à você agora, pois essas explicações exigiriam muito tempo. Portanto, vou pedir-lhe que me ouça pacientemente e reserve seu julgamento para mais tarde.

- Para começar, devo assegurar-lhe que você não é vítima de nenhum plano preparado, e que Jimmie não me escreveu, nem a enfermeira-chefe tomou conhecimento do que você presenciou.

Louise olhou para o alto, rapidamente, seus olhos revelando uma grande admiração.

- Sua surpresa ao encontrar uma pessoa que pode ler a mente sem as armadilhas comuns de semelhante profissão, é perfeitamente natural.

Aqui não existe nenhuma parafernália comum a estes profissionais de maravilhas, e você procura em vão por crânios e corujas empalhadas e cortinas escuras. Eu posso assegurar-lhe que mesmo que a leitura da mente não seja nada difícil para um ocultista treinado, eu não estava lendo sua mente quando me referi às suas poucas palavras com Jimmie no momento em que ele recuperou a consciência. Sei o que disse na ocasião porque eu estava lá...

Louise olhou novamente para o alto com um gesto de surpresa e ia começar a falar, mas lembrou-se do pedido do Irmão Maior.

- Eu estava lá, embora você não me tenha visto. Segui-a quando foi apresentar seu relatório à enfermeira-chefe. Se você se recorda, ela estava sentada ante uma escrivaninha escrevendo e quando dirigiu-se a ela, ambas estavam sozinhas no escritório. Ela não se virou, mas simplesmente parou de escrever enquanto você falava. Logo em seguida respondeu: “Não sei, filha. Não creio que exista semelhante coisa.” Também ao sair do escritório, você encontrou dois ordenanças que traziam um ferido em uma maca e, naquele momento, um deles tropeçou. Você pensou que ele ia deixar o doente cair e sobressaltou-se e deu um passo para a frente dizendo: “Cuidado!”

O Irmão Maior sorriu para ela.

- Acho que isentei nosso amigo aqui, pois ele não podia ter-me escrito estas coisas.

Louise fez um ligeiro gesto, muito gracioso, de capitulação.

- E agora as razões que sustentam todas estas coisas estranhas. A raça humana é feita de uma multitude de espíritos individuais que estão evoluindo ou aprendendo através de repetidos renascimentos em corpos físicos, no plano físico, onde aprendem obedecer as grandes leis de nosso Pai do céu, exatamente como as crianças aprendem suas lições diariamente na escola. Neste grande esquema de evolução, estamos sujeitos à operação de duas grandes leis: primeiro, a Lei do Renascimento, que nos traz de volta ao mundo físico concreto, freqüentemente em corpos e ambientes melhorados constantemente, embora devagar. Segundo, a Lei de Conseqüência, que diz que devemos sofrer os resultados naturais de nossos erros, freqüentemente chamados de pecados, embora, algumas vezes, intervenham muitas vidas entre os erros e seus resultados.

Para que este período de nascimento, morte, aprendizado e sofrimento possa ser reduzido, a maior ajuda possível é dada à raça por grandes hastes de seres espirituais que já passaram por escolas similares. Existem ocasiões (da mesma forma que existem exames nas escolas) em que é alcançado um ponto crítico na evolução, e a raça é, podemos dizer, examinada ou testada para ava­liar-se quais as entidades dignas de promoção.

Esta grande guerra é o grande ponto crítico jamais alcançado na evolução humana, e a necessidade de ajuda e instrução para a raça é maior do que antes. A ajuda pode ser dada, em alguns aspectos, mais efetivamente por membros avançados da mesma raça, por essa razão, muitos indivíduos estão sendo preparados e estimulados, agora, para que sejam capazes de dar essa assistência e esses ensinamentos. A necessidade é tremenda - muito maior do que você e Jimmie possam imaginar, e foi por isso que Jimmie foi mandado de volta à vida física, caso contrário, ele teria permanecido do outro lado. Foi por esta razão que você foi trazida aqui com ele, pois não deve pensar que é hábito dos ocultistas fazer alarde de seus poderes simplesmente para en­treter pessoas.

Você e Jimmie são almas adiantadas (não estou dizendo isto para elogiar nenhum dos dois), e em poucas vidas poderão alcançar, naturalmente, o ponto que se espera alcançarão agora nesta vida, se quiserem trabalhar. Ser-lhes-á dada ajuda, mas devem recordar sempre as palavras do Mestre que “A quem muito é dado, muito será exigido”. Portanto, a decisão de comprometer-se com o trabalho deve ser puramente voluntária e não assumida de maneira leviana, pois da mesma forma que o benefício é grande se recebemos este ensinamento condignamente, o perigo também é grande se o recebemos indignamente.

Jimmie e Louise olharam-se, ambos compreendendo a alusão àquela linda frase no serviço da comunhão. Jimmie disse:

- O senhor referiu-se antes ao grande trabalho a ser feito, mas não disse qual seria.

- Não, por algum tempo não tínhamos a certeza se seu corpo etérico poderia ser reintegrado a tempo, e quando isto foi conseguido não houve oportunidade para instruí-lo.

Por mais de uma hora o Sr. Campion continuou discorrendo sobre os diferentes planos da existência e os diferentes corpos correspondentes a esses planos, assinalando o trabalho dos Auxiliares Invisíveis tanto com os vivos quanto com os mortos. Louise e Jimmie escutavam com admiração que foi gradualmente transformando-se em reverência quando o grande Plano lhes foi apresentado. Nunca haviam escutado nada parecido, mas, ao mesmo tempo tudo parecia-lhes muito familiar, como se já o conhecessem de alguma maneira. A medida que o Sr. Campion continuava e mostrava como tudo se ajustava às Escrituras e principalmente às palavras proferidas por Cristo ao explicar as parábolas e projetar luz sobre as passagens ocultas e obscuras, Louise começou a perceber que todas as suas dúvidas desvaneciam-se e sentiu-se envergonhada por tê-las fomentado.

Não pensava mais em “provas”. Não havia necessidade de provas. Nenhum homem, por maior que fosse, poderia ter inventado um plano como esse. Nem mesmo o Sr. Campion, leitor da mente e ocultista, ou o que quer que ele fosse, poderia ter inventado um plano tão complicado e tão completo. Ele não precisava assegurar-lhe que era verdadeiro. Ela sabia, embora não percebesse como sabia. Todo o plano tinha a estampa e a assinatura da própria Divindade.

Jimmie também, tinha escutado absorto. As coisas que o Sr. Campion lhes transmitia, explicavam algumas das condições aparentes que ele tinha observado durante sua breve permanência no outro lado e, quando foram detalhadas a teoria e a prática de alcançar a liberdade nos outros planos da existência, ele começou a compreender que não é realmente necessário morrer para provar- se a imortalidade.

- Mas por que, então - ele perguntou - se há todo este trabalho para ser feito no outro lado, por que tantas dificuldades e cuidados para trazer-me de volta?

- Porque a necessidade maior está neste lado do véu para aqueles que conhecem o fato da imortalidade, que visitaram a outra região e retomaram, que desejam e têm capacidade para propagar seu conhecimento; que podem confortar os moribundos e, em especial, aqueles que foram deixados para trás. A necessidade é para aqueles que podem dizer, “Eu sei”, ao mesmo tempo que dizem “Eu acredito”.

- Então, se eu persistir nos exercícios que me recomendou, acredita que eu possa desenvolver minha visão espiritual?

- Sem dúvida que pode, embora eu não o deva influenciar de nenhuma maneira, uma vez que a escolha deve ser de sua própria vontade, sabe o quanto eu quero encontrá-lo novamente como um voluntário no Grande Exército no qual você está alistado.

Jimmie compreendeu que vivia um momento muito sério. Ele queria ajudar. Seu coração encheu-se de compaixão por aqueles que estão sofrendo, morrendo e ao mesmo tempo... ao mesmo tempo... aquela coisa de “viver a vida”... será que ele poderia fazer isso? Quando voltasse ao seu regimento e à sua companhia... será que ele poderia conservar esse sentimento? Então surgiu uma dúvida. O Sr. Campion tinha dito, ou como se lhe houvesse dito, que no sono quase todos auxiliam, mais ou menos, sendo assim, por que ele não poderia fazer o quanto lhe fosse possível durante as horas de vigília e esperar ser um auxiliar invisível inconsciente durante o sono?

O Sr. Campion sentou-se, observando-os. Louise estava olhando para ele, mas não o estava vendo. Seus olhos tinham aquela expressão de “olhar distante”, que demonstrava que sua mente estava ocupada com outras coisas, o que ficou logo evidente quando ela disse:

- Por favor Sr. Campion, se puder, diga-me por que o trabalhador encarnado, que tem a liberdade dos outros planos, é muito mais valioso que o trabalhador desencarnado ou o trabalhador que não pode conscientemente visitar os mundos superiores. Isso não tem algo a ver com a força de vontade?

- Você absorveu muito bem a idéia, Srta. Clayton. O trabalhador encarnado tem um poder que o mesmo homem que perdeu o seu corpo pela morte não tem. A explicação é longa, mas você chegou bem perto ao falar de vontade. O trabalhador do outro lado, está lidando principalmente com aqueles que acabaram de “passar”, cujo dia na escola da vida física terminou e cujo período de revisão dessa vida física começou. O trabalhador deste lado do véu, contudo, pode ser capaz de influenciar a vida de muitos, evitando que façam coisas que caso contrário, certamente fariam e evitando-lhe muita dor no purgatório ao deixarem de praticar ações que lhes acarretariam uma dívida de destino.

Jimmie e Louise retomaram ao hospital muito quietos. Cada um estava ocupado pensando, e suas curtas e ocasionais palavras proferidas eram para rever algumas coisas que o Sr. Campion havia dito.

Um pouco antes de chegarem ao grande portão, Louise disse:

- Jimmie, tenho uma confissão a fazer.

- O que é?

- Você sabe que antes de entrarmos naquela casa eu realmente achava que sua aventura tinha sido fruto de sua imaginação. Acreditei que era apenas um daqueles sonhos provenientes da conturbação que sofreu.

- Eu temia isso.

- Mas não precisa temer mais. Acredito em todas as palavras, agora.

O prazer que Jimmie demonstrou plenamente em seu rosto e que surgiu da satisfação de ter sua história totalmente acreditada, fez com que o velho porteiro francês tirasse algumas conclusões bastante errôneas - a julgar pelo sorriso em seu velho rosto enrugado - quando Jimmie e Louise entraram no hospital, a não ser, como também é possível, que não tenhamos ouvido toda a conversa.

Reunido novamente a sua companhia, e depois de calorosos cumprimentos e congratulações por ter escapado, Jimmie dedicou-se a constante tarefa de exercícios e treinamentos que ocuparam uma parte considerável de seu tempo, embora a companhia estivesse agora em uma “posição de descanso” atrás das linhas.

A rotina, os afazeres bem conhecidos da vida militar, o constante contato com seus homens e seus companheiros oficiais, por todos os quais era muito apreciado, tendiam a esmorecer o seu entusiasmo, e pensamentos prosaicos, comuns, usurpavam o lugar dos ideais elevados e das nobres aspirações que tanto o haviam impressionado. O “esplendor” de sua viagem à Terra dos Mortos que Vivem começou a apagar-se um pouco. Deveres imediatos urgentes - deveres inquestionáveis e exigentes - absorviam seu tempo. Quando os exercícios e as outras formas de treinamento acabavam, ele estava cansado e s6 com vontade de juntar-se ao grupo em uma visita a “Y”* ou outra diversão. Tentava sempre tranqüilizar a sua consciência com a promessa que logo faria algo sério, assim que estivesse bem descansado.

Enquanto isto, como havia prometido, continuou fazendo o simples exercício que o Sr. Campion havia recomendado e que praticava todas as noites com a regularidade de um relógio, embora não pudesse ver, para salvar sua vida, como uma coisa tão ridiculamente elementar podia ter um efeito tão grande sobre ele. Era evidente, pensou, que o Sr. Campion estava errado, se não, por que este exercício não era amplamente divulgado? Por que alguns dos ministros das diversas igrejas não o conheciam e o ensinavam? Ele sabia que algumas críticas a alguns ministros tinham fundamento, mas sabia que, considerados como um todo excluindo uma minoria, os ministros eram honestos, conscientes e faziam o melhor de acordo com sua luz. Por que, então, não conheciam isto se era realmente certo?

Uma tarde, estava sentado escrevendo em um canto do “y”. Não havia muitos homens lá, mas perto dele um idoso pastor evangélico estava cuidando de um pequeno grupo de soldados que evidentemente estavam um pouco indiferentes para assistir aos serviços. Estes homens tinham estado em combate. Tinham visto seus companheiros morrerem - serem feridos - explodirem - intoxicados, respirando com dificuldade, com pulmões sangrando, ansiosos por um pouco de ar que não conseguiram obter. Estes homens tinham visto seus amigos jovens, corajosos, na plenitude da vida, morrer ante eles repentinamente e o efeito dessa experiência produzia neles uma atitude mais tolerante, mais profunda, mais elevada, mas sempre uma atitude diferente em relação ao grande enigma da vida.

O pastor tinha acabado de chegar e estava cheio de cuidados para salvar as almas destes pobres e perdidos errantes, para salvar os pecaminosos da fogueira eterna. Precisavam vir e ser salvos. Precisavam ser convertidos. Precisavam aceitar Cristo ou queimariam sempre no inferno como filhos do demônio. Precisavam converter-se e encher-se da graça antes que fosse tarde, pois o insondável poço estava esperando tragá-los com seu fogo eterno e...

- Oh, que se dane o diabo!

Esta interrupção de uma nova voz com uma nota evidente de impaciência chamou a atenção de Jimmie e ele olhou com interesse para quem havia falado.

 

 

* Y = Young Men’s Christian Association (Associação Cristã de Moços).

 

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