Neste início de ano e quase no final
da primeira década do século XXI, as convulsões
sociais, as crises a vários níveis, que assolam o
planeta, estão trazendo à tona medos, dúvidas,
inseguranças, apaziguados pela fase de consumo excessivo e pela
aparente felicidade do mundo ocidental que vivemos anteriormente.
Este clima de instabilidade e de incerteza
quanto ao futuro influenciará tensões individuais e
colectivas, fazendo emergir o que antes se julgava adormecido ou
resolvido.
Torna-se importante não nos
abandonarmos a nós mesmos no rápido remoinho de
transformações sucessivas individuais e colectivas com o
qual somos confrontados todos os dias nem reagirmos impensadamente ao
que ele nos traz, sob pena de não aproveitarmos positivamente
este momento singular para evoluir.
(…)
Os primeiros cristãos
identificavam-se com os valores promovidos pelo Estoicismo —
corrente filosófica nascida na Grécia e com larga
aceitação no mundo romano — e foram fortemente
influenciados por eles. Lembrar esses valores, cuja filosofia rosacruz
também partilha, pode ajudar-nos na nossa caminhada interior e a
ultrapassar as encruzilhadas de sombra que somos convidados a viver.
O Estoicismo entendia o Universo como algo
vivo e tudo o que o compunha estava interligado. O cosmos era formado
por ciclos de vida/morte, crescimento/decrescimento semelhantes aos
vividos na natureza e no quotidiano do ser humano.
Neste sentido, o homem deveria encontrar
uma filosofia de vida que o ajudasse a viver plenamente integrado nos
diversos ciclos da vida e de forma a suportar com dignidade os momentos
dolorosos.
O primeiro prende-se com a
aceitação da vida nos seus ritmos individuais e
colectivos. Aceitar não significa resignação,
passividade, conformismo, quer dizer adaptação ao momento
em função das transformações da nossa
caminhada. Nos ciclos de noite que assolam as nossas vidas é
preciso redefinir os nossos objectivos, delinear novas
estratégias. Lutar contra a noite, ou seja, recusar viver esses
ciclos é lutar contra as próprias leis evolutivas, em
última análise, contra a própria vida.
(…)
A nossa ténue luz aumenta quando lhe
juntamos o discernimento, qualidade que nos permite pensar e distinguir
com clareza e precisão; porém, saber o que nos
convém, o que é adequado ao nosso momento evolutivo nem
sempre se afigura uma tarefa fácil.
Depois de chega a vez de colocar em
prática as nossas decisões: necessitamos da coragem, que
não deve ser confundida com a ausência de medo, de
dúvida ou de incerteza, mas é a força
necessária para enfrentar as nossas sombras e prosseguirmos com
o que planeámos.
Será este um bom momento para nos
questionarmos como temos vindo a tratar o nosso corpo vital, já
que dele provêm as nossas forças anímicas.
Se a luz primeira da
aceitação e do discernimento é a nossa candeia, a
coragem, que remete para a acção, é a nossa faca.
O uso equilibrado das duas é indispensável ao caminho: a
faca sem a candeia causa ferimentos a nós e aos outros, a
candeia sem a faca não permite a nossa evolução,
ficamos estagnados num tempo que não temos coragem para fazer
nosso.
Se as virtudes anteriores nos impeliam
à acção, a justiça ensina--nos a saber
fazê-lo. Não devemos confundir esta virtude com julgamento
corrosivo ou crítica destrutiva, mas entender a justiça
como a capacidade para agir e reagir segundo o momento evolutivo do
nosso próximo, isto é, oferecer a cada um aquilo que nos
parece apropriado.
Assim, o outro não é o nosso
reflexo, mas alguém singular cujo nível de
consciência pode ser diferente do nosso; saber agir em
função disso pressupõe um julgamento da nossa
parte. A nossa acção não visa prejudicar ou magoar
o nosso semelhante, mas ajudá-lo. Saber dar a cada um aquilo que
lhe é adequado, pode ser, por vezes, também um caminho
mal interpretado.
Para que saibamos agir e reagir em
função da necessidade do nosso próximo
necessitamos do autodomínio. Este surge como a capacidade de
distanciamento de que precisamos manter juntamente com a serenidade
para melhor analisarmos a situação. Porque fácil
é ceder ao impulso do momento, deitar fora a palavra
rápida, traçar o gesto desmedido; difícil é
manter a serenidade, proferir a palavra adequada e desenhar o gesto
útil.
(…)
É muito interessante verificar que a
filosofia estóica não apela apenas à
acção individual, mas integra-a num universalismo
ancorado na dádiva e na partilha. A evolução
individual é posta ao serviço da construção
de uma verdadeira fraternidade.
Nestes tempos de grande confusão,
saibamos utilizar as virtudes estóicas como bússola
luminosa que nos guia na névoa opaca.
Maria Coriel
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