Estudo Sobre a Inutilidade da Pena de Morte
A Pena de Morte
"Vive-se
presentemente numa onda avassaladora de temor, motivado pelo aumento de crimes
em todo o mundo. Não há país algum livre deste flagelo, que atinge especialmente
as grandes cidades.
Jamais o crime imperou com semelhante audácia". Estas
palavras foram escritas por Augusta Foss-Heindel Heindel, no século passado1.
Na
realidade, a persistência da violência na nossa civilização é ancestral.
Espanta-nos e escandaliza-nos.
Caim é, no mundo, o primeiro violento
(se ignorarmos, para simplificar, o significado simbólico destes personagens).
Ora, segundo o Génesis (4. 5), disse o Eterno: "Se alguém matar Caim será
vingado sete vezes".
E marcou-o com um sinal, não fosse alguém
esquecer-se. Aparece, assim, a protecção da lei pela violência vingadora. O
sinal que marcou Caim torna-se o sinal da violência ordenada, isto é,
legitimada, em oposição à violência individual, proibida.
Tornou-se
norma, desde então, que quando um acto violento é cometido em nome da lei, não é
culpável. É como se houvesse violências boas e violências más.
Paulo,
numa das cartas, interrompe inesperadamente a exortação ao amor não violento
para falar do constrangimento da maldade do outro pela violência e para celebrar
uma instituição, a magistratura, ao serviço de Deus para exercer a
violência.
A justificação teológica da violência, quer policial quer
militar, é temível, sobretudo quando é míope. Lutero chamava à guerra "uma obra
de amor", quando era usada como "uma operação cirúrgica" 2 .
No
passado, o Estado identificava-se com certo número de autoridades separadas, que
eram detentoras e executantes da violência.
A grandeza da evolução
democrática é que já não existem, a este nível, autoridades separadas, porque
todos somos responsáveis pelo que faz a sociedade e, por conseguinte, pela
violência que em nome dela se exerce, na medida em que transformamos, pelo voto,
a sociedade em que vivemos.
Em nome de quê, pois, se pode julgar os
outros e exercer sobre eles a violência?
Devemos então lutar contra
as violências más, contra a violência em geral ou contra o mal? A resposta é
fácil: contra o mal. A violência suprema praticada contra o indivíduo - a pena
de morte - é ineficaz porque o mal não se destrói com o deliquente.
E é
perigosa, não só porque o carrasco de hoje pode ser a vítima de amanhã, mas
também porque a aplicação da pena de morte conduz fatalmente ao autoritarismo, e
este ao medo. A pena de morte mete medo. Assim é, de facto. Mas, infelizmente,
só às pessoas honestas ou aos criminosos presos, quando esse medo já não tem
utilidade.
E assim os cidadãos medrosos desligam-se da colectividade, das
suas instituições e justiça, quando deviam sentir-se ligados a elas; são os
primeiros a lançar-se de cabeça baixa na servidão, para se abrigarem e terem
segurança.
Na verdade, a pena de morte não serve para nada. Durante
milhares de anos rodou-se, enforcou-se, esquartejou-se, queimou-se,
guilhotinou-se. E a criminalidade não diminuiu. Nem sequer como dissuasão, como
alguns pretendem.
Schleiermarche, um filósofo, elogiava a artilharia, em
1810, porque "não matava o adversário, mas obrigava-o a deter-se nos seus
esforços". A história mostra-nos o contrário. E o mesmo se dá com a pena de
morte. Porque, então, perpetuar esse processo bárbaro?
O mérito de um
inquérito televisivo, realizado há algumas semanas, durante o qual se debateu -
mal - o problema da pena de morte, foi, sobretudo, o de revelar a fragilidade da
cultura dos inquiridos e a sua confiança nas instituições, como também o de
mostrar como se responde com facilidade aos apelos (emocionais) ao consumismo
(telefónico, neste caso) que alimenta rendosos negócios.
Aquilo a que
chamamos cultura, ou seja, uma sensibilidade maior, a equidade, a coerência e a
harmonia, mostrou-se superficial, senão mesmo pelicular.
Ao mínimo sopro,
as emoções, as paixões e obsessões desencadearam um frenesim que os levou ao
apelo voluptuoso da crueldade. E quando já não esperam das instituições a
realização das suas esperanças, voltam-se então para a sua contrapartida
sinistra e abominada, que não foi constituída em "corpo", mas que vive à
"margem", como os "esquadrões da morte" ou as "milícias populares"
É o
regresso ao "olho por olho, dente por dente" da época bárbara.
A
primeira exigência de uma acção exercida sobre o deliquente seria, então,
tratá-los como homens que são, como seres espirituais e livres.
O
mesmo é dizer, esta acção deveria ser conduzida de maneira a levá-los a
reconhecer por si próprios a sua falta e a ordem que infringiram. Deve tender a
fazê-los consentir nela, em vez de os obrigar a ela, ou eliminá-los como seres
irracionais. Ou, como disse Guerra Junqueiro:
A
sociedade tem um único direito:
Exigir do assassino uma
reparação;
Eduquem-no: é meter a escola na prisão.
Transformem esse
monstro em ser inteligente.
Façam-no livre; isto é, façam-no
consciente.
Consciência quer dizer responsabilidade.
Introduzi a luz no
crânio dessa fera
E em lugar da enxovia imunda uma oficina,
É como
se castiga um homem que assassina 3.
1 A.
Heindel, O Outro Lado da Vida, Lisboa, 1995.
2 Obras de Lutero, trad.
franc., Tomo IV, Labor et Fides, Genéve, 1960, pág. 223.
3 Guerra
Junqueiro, O Crime, A propósito do assassinato do Alferes Brito; 1875.
- Fonte: Revista "Rosacruz", Fraternidade Rosacruz de Portugal
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