A Flauta Mágica de Mozart
Simbolismo Iniciático
Se a história de Carrol "Alice no País das Maravilhas",
desafia claramente o leitor pela sua riqueza simbólica, dificilmente cifrada
pelo adulto, a Flauta Mágica tem sido considerada como uma história simplória,
com versos medíocres, com uma moral primária e corriqueira.
O libreto de
a Flauta Mágica pare ter sido inspirado na Vida de Setos, obra escrita em 1731,
relacionada com os mistérios egípcios. O próprio Mozart, como iniciado,
conhecia-a certamente.
O enredo de A Flauta Mágica é, em resumo, o
seguinte:
"Um príncipe (Tamino), e um caçador de pássaros (Papagueno),
atendendo ao apelo de uma rainha (a Rainha da Noite), tentam resgatar a princesa
(Pamina), sequestrada num castelo.
Para cumprir essa missão, Tamino e
Papagueno recebem da Rainha da Noite, por intermédio das suas damas, um
carrilhão e uma flauta mágicos, além de três génios que serviriam de guias. São
representados, na ópera, por três crianças.
Por caminhos diferentes,
Tamino e Papagueno
chegam ao palácio de Sarastro. Pamina está lá, realmente,
prisioneira, atormentada por um escravo mouro de Sarastro (Monostatos), que já
tentara violá-la na ausência do amo.
Chega Papagueno e Monostatos foge.
Entretanto, Tamino discute com um sacerdote do templo de Sarastro: este diz-lhe
que Sarastro não é mau, mas nobre e justo e que um dia, ele, Tamino,
compreenderá tudo. Isto abala completamente os propósitos inicias de
Tamino.
Os três acabam por serem presos, quando Sarastro chega. Manda
chicotear o escravo, explica a Pamina que sua mãe, a Rainha da Noite, é uma
mulher perigosa e determina que Tamino e Papagueno sejam submetidos a duras
provas no templo, como, por exemplo, a prova do silêncio.
Se passarem
trais provas, entrarão para a irmandade. Tamino receberá ainda a mão de Pamina e
Papagueno o que ele mais deseja na vida: uma mulher para se
casar.
Entretanto, Pamina, adormecida, desperta a luxúria de Monostatos.
Mas chega então a Rainha da Noite e mostra que Sarastro tinha razão: ela
aterroriza a filha e dá-lhe, cheia de ódio, um punhal, para que assassine
Sarastro. Depois desaparece. Monostatos, que viu tudo, chantageia Pamina.
Contudo, chega Sarastro, que expulsa o mouro e tranquiliza a rapariga, dizendo
que naquele templo não há lugar para a vingança.
Enquanto isso, Tamino
vai passando nas provas, mas Papagueno não consegue sequer ficar calado. Acaba
por ser expulso do templo. Pamina vai encontrar-se com o príncipe e não
compreende que ele não lhe resposta. Julga que Tamino não mais a ama, fica
desesperada, pensa em suicidar-se com o punhal - mas é impedida pelos três
génios.
Volta ao templo e tem permissão para acompanhar Tamino nas suas
últimas provas: a do fogo e a da água - o que os dois conseguem superar com
sucesso, protegidos pelo som da flauta mágica.
Vagueando pelos bosques,
Papagueno, inconsolado e cómico, pensa também no suicídio, mas também ele é
salvo pelos três. Sugerem-lhe que ele, Papageno, toque o seu carrilhão mágico:
ao som do instrumento aparece-lhe o que mais desejava: uma
companheira.
Na escuridão da noite chegam a Rainha da Noite e o seu
séquito, guiados agora por Monostatos, que se aliou contra Sarastro, ante a
promessa da mão de Pamina. Vão destruir o templo e matar Sarastro e os
sacerdotes. Mas estes irrompem com um poder descomunal e aniquilam as pérfidas
criaturas. Pamina e Tamino casam-se com grande pompa e com muitas congratulações
pela sua coragem, fidelidade e virtude".
O libreto fascinou tanto o
rosacruz Goethe que se propôs fazer com ele o mesmo que fizera com a sua obra
rima - Fausto: escrever uma Segunda parte.
Comecemos o estudo pelo
simbolismo do número das personagens: são nove. A primeira é o príncipe Tamino.
É verdadeiramente o herói da história. Logo nos primeiros acordes surge Tamino
numa situação incrível: a fugir de um dragão (uma serpente, no original).
A representação de uma personagem de Mozart é sempre feita de modo que
qualquer pessoa a compreenda de imediato.
As primeiras palavras de
Tamino, que grita por socorro, é um autentico aviso do autor de que vamos entrar
num território inédito.
Reside aqui precisamente a falta de compreensão
desta obra musical. É que ela trata de segredos iniciáticos, que não são do
conhecimento vulgar.
A 2ª personagem é a princesa Pamina. Tamino, o
príncipe, apaixona-se ao ver o seu retrato. Muito se tem escrito sobre esta
dualidade, Tamino-Pamina. Quando Tamino vê o retrato, canta uma ária lindíssima.
Serviu de fundo musical ao filme "O Enigma de Kaspar Hauser".
A 3ª
personagem é Papagueno. É a mais exótica, popular e sedutora. É o caçador de
pássaros.
A 4ª é Monostatos, o criado mouro. No filme, a cena entre
Monostatos e Pamina foi alterada em relação ao original. Bergman substituiu as
ameaças e a tentativa de Monostatos apunhalar Pamina por uma única, curta e
sibilante entrada do mouro, muito no seu estilo.
A 5ª, 6ª e 7ª
personagens são as três crianças. Guiam Tamino, informam-no como deve escolher e
as atitudes de firmeza que devem adoptar, mesmo as de obediência. Quando Pamino
pensa no suicídio, estas personagens fazem-lhe ver que não conhece
verdadeiramente a situação e a inutilidade do seu tresloucado acto.
O
mesmo acontece quando Papagueno, a quem explicam que nem tudo está perdido e
ainda há alguma coisa por que lutar.
A 8ª e a 9ª personagens são a Rainha
da Noite e Sarastro.
Há, nesta ópera, um triângulo dramático: Sarastro, a
Rainha da Noite e os dois príncipes.
Psicologicamente, a primeira
personagem, Tamino, pode ser comparada à criança adaptada. A 2ª, a princesa
Tamina, representa a criança rebelde.
A 3ª, que é Papagueno, é a criança
livre. A 4ª, Monostatos, é a personalidade perversa, infantil e demente. A 5ª,
6ª e 8ª, as três crianças, simbolizam o resíduo infantil do adulto e a sua
pureza original.
A 8ª, a Rainha da Noite, e a 9ª, Sarastro, completam a
representação dos estados do eu e simbolizam os dois aspectos polarizados do eu,
o pai perseguidor ou possessivo e o pai protector.
Esotericamente... bom,
reside aqui todo o valor desta obra.
A Flauta Mágica inicia-se com três
acordes majestosos, que se referem aos três passos ou graus fundamentais de
todos os ensinamentos místicos. O terceiro acorde corresponde aos três toques do
candidato, quando a procura a parta do templo.
A estes acordes segue-se,
no original, uma marcha solene, preparada para instrumentos de metal, que
simboliza o caminho a percorrer pelo candidato.
O caminho é longo e o
trabalho cansativo. Mas o aspirante digno chega ao ponto culminante e torna-se
um iniciado.
Na abertura descrevem-se vários processos pelos quais a
pedra bruta se transforma numa pedra trabalhada e viva. A abertura finaliza com
a repetição das três pancadas ou acordes.
Esta cena desenrola-se no
Egipto, num campo aberto, perto do templo de Ísis (onde se nota a influência de
A Vida de Setos)
Tamino, quando entra em cena, é perseguido por um
dragão, símbolo dos desejos inferiores. Faz uma prece e cai inconsciente.
Surgem três jovens cobertas por véus. Simbolizam a purificação do corpo
físico, do corpo de desejos e da mente. A morte do dragão indica que Tamino
alcançou a vitória sobre a natureza inferior.
Surge depois o
passarinheiro. Enquanto que Tamino simboliza o aspirante que procura a luz,
Papagueno, caçador de pássaros, representa aquela parte da humanidade que é
indiferente ao progresso espiritual.
Tamino e Papagueno encontram-se.
Logo depois surgem as três jovens que repreendem Tamino por reivindicar a morte
do dragão.
Dão a Tamino o retrato de Pamina, a filha da Rainha. Pamina
representa a natureza espiritual do ser humano, que é correntemente representada
por uma figura feminina - como vemos nos textos de Salomão e de Camões.
Quando o discípulo se aperfeiçoa na busca e começa a sentir a
maravilhosa beleza superior, se lhe dedica e consagra, realiza-se o que chamamos
"bodas místicas".
As três jovens informam Tamino que foi escolhido para
libertar Pamina, subjugada pela magia negra. Há um ensurdecedor barulho e surge
a Rainha da Noite.
Com palavras extremamente solenes relata o
desaparecimento de Pamina, sua filha. Reconhece a piedade e sapiência de Tamino
que considera capaz de a salvar. O cenário escurece de novo.
É então que
no aspirante se começa a desenvolver a clarividência. Esta visão permite-lhe ver
os mundos internos ou superiores.
A pergunta que Tamino faz é a mesma de
todos os aspirantes: "É verdade aquilo que vejo? Ou será apenas
ilusão?".
O segundo acto começa com uma marcha solene, com música para
instrumentos de sopro. Os sacerdotes, acompanhados por Sarastro, querem saber
qual o objectivo da vinda de Papagueno.
Este responde-lhe que não se
preocupa com a sabedoria, que apenas lhe interessa comer e beber. Tamino, por
seu lado, deseja a sabedoria e, também, unir-se a Pamina.
Há poucas
pessoas, como Tamino, dedicadas ao serviço da Sabedoria!
As três jovens
experimentam Tamino, tentando-o convencer de que Sarastro lhe prepara uma
traição. Tamino nega-se a ouví-las. É que em tempos de crise as forças unem-se
para impedir o espírito de alcançar a luz e confundí-lo, separando-o da fonte de
sabedoria.
O segundo acto, na sua maior parte, é dedicado às provas do
aspirante. Esta cena termina com uma magnífica ária de Sarastro.
Cada
instituição que se dedica ao estudo das leis divinas, cria uma força dinâmica,
que pode ser utilizada para construir ou destruir. É da máxima importância que
cada grupo aprenda a pôr em prática a seguinte regra: "viver e deixar viver".
A prudência é a melhor arma para combater qualquer tendência para a
bisbilhotice, ciúme, inveja ou ódio.
Se isto for negligenciado, haverá
discórdias, dissidências e, por fim a destruição.
As jovens
oferecem-lhe então uma flauta mágica, o símbolo dos poderes latentes do
espírito, da divindade adormecida no homem.
O mago negro, Monostatos,
símbolo dos poderes do espírito usados incorrectamente, arrasta Pamina. Atira-a
para um cadeirão e ordena a três escravos que a prendam.
Os três escravos
são o corpo físico, vital e de desejos, relacionados com os prazeres inferiores,
com o medo e a ignorância.
Quando o cenário muda, vêem-se três templos: o
da Razão, à direita; o da Natureza, à esquerda e o da Sabedoria, no meio.
Os três templos representam as três forças distintas: a masculina, a
feminina e a união de ambas, isto é, a força masculina, a beleza feminina e a
sabedoria, que é filha das duas.
Aparece depois um sacerdote idoso e
Pamino fica a saber que está no templo de Sarastro, o sacerdote do Sol, o mago
branco ou iniciado.
Explica-lhe que vivemos cercados de estímulos aos
quais se reagem conforme a espiritualidade que se tem. É assim que tem de
começar o trabalho de auto-aperfeiçoamento.
A lei fundamental diz que a
verdadeira acção esotérica só pode ter sucesso se for baseada na união com o
espírito.
A pedra fundamental de todas as sociedades ocultistas
iniciáticas pode ser encontrada nas palavras de Sarastro: "nestas amplas
galerias não se conhece vingança" que não são mais, afinal, do que a repetição
daquelas que lemos numa das obras de Max Heindel "na nossa sociedade, não há
disputas, nem controvérsias, nem especulações, nem sofismas, nem dúvidas, nem
cepticismos"
A cena final começa numa quase total escuridão. A Rainha da
Noite aproxima-se de Monostatos, que leva uma tocha. Ouve-se um grito de pavor e
surge Sarastro e os sacerdotes, Pamina e Tamino.
Nesta ópera, Mozart
descreve a senda do candidato, que procura a luz, "pobre, nu e cego".
Demonstra os passos do caminho, as suas provas, nas quais se prepara o
espírito para se tornar digno de enter no templo, mas naquele templo verdadeiro,
que é feito sem ruído de pedra nem de martelo, onde a luz do conhecimento
permanece eternamente.
W.A.Mozart. Óleo de Barbara Kraft,1819.
Bibliografia
Barreto, R. A Magia
Transcendental de "A Flauta Mágica"; Brion, M., A Vida Quotidiana em Viena, no
Tempo de Mozart e Schubert; Heindel, Max, Maçonaria e Catolicismo; Newman, E,
História das Grandes Óperas; C. Helline, Mozart.
- Fonte: Revista "Rosacruz", Fraternidade
Rosacruz de Portugal
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