Um Tratado Musical de Alquimia
Atalanta Fugiens
Em
1618 aparecia em Oppenheim (Renânia) a obra da qual podemos admirar, ainda hoje,
o soberbo frontispício: "Atalanta Fugiens", de Miguel Majer.
O autor, ou
melhor, os autores, uma vez que o editor João Teodoro de Bry é, provavelmente,
também, o gravador, nele se declaram poetas, gravadores e músicos. Miguel Majer,
nascido em 1568, em Rendsburg (Holstein) e falecido por volta de 1631, era
formado em medicina.
Entrou para o serviço do Imperador Rodolfo II, em
Praga, inicialmente como físico ou médico. Passou depois para secretário
particular, par ser, enfim, elevado à dignidade de conde do conselho Imperial
(conde palatino). Era alquimista e rosacruciano.
João Teodoro de Bry,
nascido em Liége, em 1561, era filho do gravador e editor com o mesmo nome.
Retomou, quando da morte do pai, as actividades profissionais deste. Pertencia à
religião reformada.
A obra de Majer e de Bry é um autêntico tratado de
ocultismo em cinquenta "emblemas esotéricos". Cada "emblema" comporta três
elementos: um "epigrama", breve poema alegórico em latim, acompanhado da sua
tradução em alemão; uma gravura simbólica e uma "fuga" a três vozes, escrita
sobre os dois primeiros versos do epigrama.
Um título indica a
significação geral de cada emblema. Cada um deles transpõe um mito antigo,
conferindo-lhe uma ressonância alquímica.
O ponto de partida, ilustrado
no frontispício, tem por base a lenda da deusa Atalanta (também chamada Ártemis
e mesmo Diana, pelos Gregos e Romanos). Podemos seguir a sua aventura no
enquadramento do título: à esquerda, no Jardim das Hespérides (as três ninfas no
alto da gravura, são Aegle, Aeretusa e Hespertusa), guardado pelo dragão de sete
cabeças (igualmente em cima), Hércules apossa-se dos frutos de ouro.
Três
deles caem nas mãos de Afrodite (Vénus) que, mortificada pela feroz castidade de
Atalanta, os entrega ao belo Hipomanes com a missão de a seduzir.
Hipomenes, conhecendo o estratagema pelo qual Atalanta se livrava dos
pretendentes, resolver enganá-la. Atalanta impunha-lhes uma prova de corrida. Se
o pretendente a vencesse, teria direito a desposá-la. Caso contrário, teria a
cabeça decepada - o que sempre acontecia, uma vez que Atalanta era mais leve e
mais veloz do que qualquer mortal.
Hipomenes colocou-se entre os
concorrentes. No momento da prova atirou os três frutos de ouro para a frente de
Atalanta. Esta, curiosa, ou um tanto cúpida, abaixou-se para os examinar e
recolher e, com isto, perdeu algumas passadas, o que bastou para que Hipomenes a
vencesse (em baixo, à esquerda da gravura).
A união consumou-se num
templo consagrado a Zeus ou a Deméter (em baixo, à direita). Irritado por
semelhante acto de profanação, o deus (ou a deusa), transformou-os
respectivamente em leão e leoa (em baixo, à direita).
As gravuras e o
sentido geral dos "emblemas" foram admiravelmente analisados e explicados por J.
Van Lennep. As fugas musicais permanecem mais misteriosas e demandariam um longo
e minucioso estudo. Todavia, um exame sumário talvez não seja desprovido de
interesse. Vejamos a fuga número 1, aqui transcrita em notação
moderna.
Não se trata de uma "fuga" como a entendem os tratados clássicos
em uso nos conservatórios. Apenas as duas vozes superiores são tratadas em
cânon, mas à quarta inferior. A voz mais grave é tratada em cantus firmus ou
teneure. A voz mais aguda, no sentido em que a entendiam os teóricos do século
XVII, isto é, a "fugida". Representa, normalmente, Atalanta fugitiva, como o
indica o compositor: Atalanta seu vox fugiens.
A Segunda voz, que e
segue em cânon rigoroso na Quarta grave, personaliza Hipomenes. O cantus firmus,
enfim, todo em valores longos, representa os frutos atirados a
Atalanta.
Atalanta (primeira voz) representa o Mercúrio volátil (ou a
Lua); Hipomenes (Segunda voz) o enxofre activo ou o sol alquímico. A terceira
voz representa os frutos de ouro, frutos da imortalidade, mas também o símbolo
do conhecimento.
Essas curtas peças musicais, cuja realização necessita,
por vezes, de uma douta exegese contrapontística, não são, longe disso,
obras-primas. Neles descobrem-se (cf. o exemplo acima) imperícias, na verdade
erros que um estudante de conservatório, mesmo nos nossos dias, renegaria com
horror.
Pode-se questionar a respeito da utilização que dela pretendia
fazer os seus autores. O texto preliminar teria uma função equivalente à dos
corais de Lutero: "serem lidas, meditadas, compreendidas, julgadas, cantadas e
ouvidas".
Isso constituiria um método para gravar na memória do adepto o
primeiro dístico essencial de cada poema que comenta a gravura
correspondente.
J. Van Lennep lembra-nos que o Imperador Rodolfo II (em
Praga), bem como o duque Vicente de Gonzaga (em Mântua), ambos alquimistas
experientes, eram, para os músicos, mecenas esclarecidos e generosos. Ambos
possuíam uma prestigiosa capela de música. O primeiro protegeu - entre outros -
o compositor flamengo Filipe de Monte (1521-1603), e o segundo financiou o
Orfeu, de Cláudio Monteverdi, cujo simbolismo foi, por certo, amplamente
inspirado pelo comanditário.
J. Van Lennep adianta ainda que a música
servia para dissipar a melancolia saturnina, que se apoderava dos alquimistas
durante as longas noites de vigília diante do forno. Imagina-as então enganando
a espera, cantando as "fugas" da Atalanta Fugiens. Supõe ainda que tais "fugas"
também foram cantadas pelos membros da Fraternidade Rosacruz, a que Majer
pertencia e que outorgava à música extrema
importância
- Fonte: Revista
"Rosacruz", Fraternidade Rosacruz de Portugal
Revista ROSACRUZ
É o órgão oficial da Fraternidade Rosacruz de Portugal. Através das suas secções (Editorial, Filosofia, Astrologia, Saúde e Nutrição, Educação Infantil, Estudos Bíblicos, etc.) atende aos anseios intelectuais e ao sentimento religioso e desperta o entendimento dos mais profundos mistérios da origem e evolução do Homem.
Conheça o trabalho da Fraternidade Rosacruz no Ocidente. Assine e ofereça assinatura da Revista ROSACRUZ.
Redacção: |
Rua de Manuel Múrias, 12 - 5º Esq |
[Home][Fundamentos][Atividades] [Literatura][Informações]
Fraternidade Rosacruz - Centro Autorizado do Rio de Janeiro
Rua Enes de Souza, 19 Tijuca, Rio de Janeiro, R.J. Brasil
20521-210 Tel/Fax 22387179
Filiado a The Rosicrucian Fellowship
Mt. Ecclesia, Oceanside , CA, USA