Fernando Pinto
Gênese
Prefácio
No arguto ensaio "Direito e Poesia", integrando nas admiráveis considerações que fez sobre a estética jurídica, notou Radbruch que "es justo reconocer que los testimonios de los poetas acerca del Derecho son, pocas veces, de mayor fuerza probatoria que los de los especialistas en Filosofía del Derecho por sencilla razón de que tienen raices existenciales más profundas, que se hallan no solo en el pensamiento, sino en toda la personalidad".
A observação se entrosa bem com a individualidade de Fernando Pinto, sutil jus-filósofo, em cujas idéias há muito de elevada vibração humana, justamente, por sua espiritualizada poesia, que revela, na sua força lírica, o pensador e o místico. "Gênese" é, sem dúvida, a obra de um poeta órfico, numa pura dimensão infinita, cuja arte, nos caminhos do oculto, é canto de libertação, hino triunfal, entoado à surdina, pelo peregrino, retornando de sua jornada, pela ave, rompendo o cárcere, pelo carbônio, que se transforma e, enfim, pela alga que volta ao grande mar primordial. Algumas partidas e peixes ruminados marcam esse regresso do trovador ao reino perdido. Por isso chama ele
" Diferenciação da unidade
que tende à Unidade".
A esse tipo de elaboração poética tenho dedicado alguns estudos, construção que Saint John Perse denomina " la pure langage de l'exil", porque, em verdade, os seus oficiantes cultuam a beleza inexaurível, no desterro, em demanda de seu mundo, inaudível para os profanos.
As composições de Fernando Pinto, suaves, reticentes e penetrantes têm algo, em seu discreto simbolismo, daquela oração, a que se refere Brémond, no vertical "Poesia e Prece", daquela "linguagem que se comunica sem palavras", mencionada por Emil Staiger ("Conceitos Fundamentais da Poética", pág. 23), pelo contacto diuturno de seu autor com o Místério, pela depurada estesia e pelo sopro cósmico de fraternidade, bondade e ternura, que pastoreia os seres e as coisas.
Embora, formalmente, tendam a evoluir, pelo desbastamento e densificação do instrumento expressional, deixam-nos a inquietante sensação de terem captado esse "invisível fio de beleza" que " impregna todas as coisas", silenciosas tecelãs a urdir a túnica exata.
Fernando Whitaker da Cunha
Gênese
De raiz-cósmica
substancial
extrairam-se galáxias.
O universo de povoou
de universos .
Diferenciação da unidade
que tende à Unidade.
Exortação
Lavra a tua terra, lavrador.
Revolve-a sem parar.
Irriga-a
com as bagas do teu suor,
com o sal das tuas lágrimas,
com as gotas do teu sangue.
Depois,
lança-lhe a semente da tua alma.
Lavra a tua terra, lavrador,
até que a chuva etérea a humifique
e o eterno sol a faça germinar
para sempre.
Lavra a tua terra, lavrador!
Conselho
Não tranques a porta por dentro,
de maneira que
quando chegue a Mensagem
possa ir direto
ao teu coração.
Il Poverello
Era uma vez Francisco
humilde e manso.
Amara-se no próximo desde menino.
Assim crescera.
Conhecia a alma das coisas
a linguagem dos bichos.
Mensageiro singular,
onde houvesse ódio,
levava Amor;
onde, ofensa,
Perdão;
onde existisse discórdia,
ele, traço que unia;
para onde fosse habitar a dúvida
ele conduzia a Fé;
transformava tristeza funda
em alegria suave;
das trevas fazia Luz;
consolava,
compreendia,
amava sem tréguas.
Dando-se, recebia,
não a morte que consome,
mas a VIDA que redime.
Fraternidade
É preciso ser irmão,
é preciso ser companheiro.
Mais que isso:
amigo é preciso ser.
Amigo dos pais
amigo dos irmãos
amigo dos amigos
- dos inimigos até.
Corta isso...
Corta esse orgulho,
o gesto brusco,
essa palavra insólita.
Corta ódio,
mágoa, indiferença.
Corta inveja,
maus pensamentos,
inimizade.
Corta as arremetidas
da maledicência.
Corta tudo isso
e muito mais,
corta,
corta sempre,
até que cortes
rente
as arestas todas,
e tua alma
- descarbonizada -
aflorará
em diamantina pureza.
Servindo...
Serve a terra
- geratriz;
serve a água
- que refresca;
serve o ar
- que nos alenta;
serve o fogo
- que aquece;
serve o sol
- que nos dá vida;
serve a lua
- benfazeja;
serve a estrela
- que reluz;
serve o vento
- que assopra;
serve a luz
- que ilumina;
serve a primavera
- que floresce;
serve o verão
- que agasalha;
serve o outono
- que envelhece;
serve o inverno
- que aniquila;
serve a pedra
- que resiste;
serve a planta
- que germina;
serve o galho
- que balouça;
serve a flor
- que perfuma;
serve o grão
- que alimenta;
serve a fera
- que fareja;
serve o cérebro
- que busca;
serve o braço
- que trabalha;
serve a mão
- que ao pobre ampara;
serve a criança
- que brinca;
serve a alegria
- que anima;
serve a dor
- que experimenta;
serve o canto
- que conforta;
serve a lágrima
- que redime;
serve o coração
- que sente;
serve a vida
- que enobrece;
serve a morte
- que transmuda ;
serve DEUS
- que em tudo serve.
Ascensão
Homem sétuplo,
ser evolucionante,
forceja por voar.
Teu vôo
te há de conduzir
a todos
os céus.
O Operário
Silencioso,
trabalhou com afinco
todosos dias de sua vida.
Pedra sobre pedra,
ergueu, solidamente,
mas sem ruído,
a própria casa,
que resultou
perfeita,
inabalável,
branca,
silenciosa.
Contraste
Nas águas impuras da sarjeta
- cristalina, sobranceira,
vibra
a luz
de uma estrela.
Átomo
Semente de vida
apenas oculta
no coração.
Invisível
pequenina
germina
cresce
e se esvai
em transporte sublime.
Para além
das Idades
retorna feliz
à terra natal.
Conquista
Pôde transformar
trechos de rocha
em cristal transparente.
Com eles erigiu
singular catedral
de longas torres cintilantes,
braços estendidos
em busca da estrela.
Inseparatividade
Nem eu nem tu.
A distância que nos separa
não passa
do reflexo
da mesma imagem.
Cromo
Olho o verde
o multicolor das flores
e me deixe invadir
de pura alegria
- a natureza se enfeita.
Poema I
Rosas na mão,
iniciou longa caminhada,
dia após dia, noite após noite.
Extenuado, sentiu o acicate
de todos os desejos.
O corpo se lhe dilacerava,
as vestes se rompiam.
Mas força estranha o compelia
ao percurso de múltiplas sendas
até encontrar o nascente sol.
Aí percorreu
um a um
os sete áureos templos.
Como por encanto
aplacaram-se-lhes as dores,
as feridas cicatrizaram,
a túnica se reconstituiu
alva e pura,
as rosas floresceram.
Surgiu-lhe então,
em sublime sintonia,
esplendorosa, magnífica,
a Estrela Matutina.
Poema II
Invisível fio de beleza
impregna todas as coisas.
Seu brilho singular
permanece oculto.
Só os dedos da alma
podem tocá-lo.
Senti-lo,
só as sutilezas
do coração.
Poema III
Buscando o silêncio impensado,
a tranquilidade ignota,
mergulhou
- por entre os desvãos do imponderável -
no sem fim
das coisas inimaginadas.
Ad originem
Poema IV
Deixando por momentos
o estrépito mundano,
refugiou-se.
E, aquietando-se,
pôde sentir estranha melodia
quebrar o silêncio
de si mesmo.
Poema V
Rasgando os véus do espaço
dentre os refolhos da aurora,
tangida por impulso divino,
surge cósmica rosa
- galáxia em flor.
Poema VI
Signos-hora
marcados estão
no mostrador estelar.
Hoje,
amanhã,
ponteiros-destino
o terão de percorrer.
De casa em casa,
o tempo zodiacal
se cumprirá
num eterno tic-tac.
Poema VII
Após a leitura de "A lei divina e nossas necessidades cotidianas", da Fraternidade Rosacruz Max Heindel
Sidéreo estabelecimento
aceita qualquer depósito.
Basta creditar sentimentos:
Bondade, Altruísmo, Fé,
Renúncia, Perdão, Amor.
Investimentos seguros
de aplicação multifária,
transmudam-se desde logo
em ações ao portador
com dividendos em contínua correção.
Poema VIII
Mineral.
Mineral-vegetal (cristal que se faz seiva).
Vegetal.
Vegetal-animal (seiva que se faz sangue).
Animal.
Animal-homem (instinto e mente).
Homem (consciência-consciente)
Homem-Deus.
Espiral
Poema IX
Vida
nos seres
nas coisas
no movimento
na inércia
na luz
na sombra
na morte - face oculta da vida.
Poema X
Sorriso.
Haste equilibrando flor.
Estrela incrustada.
Criança.
Renascer de esperança
- Mensagens.
Poema XI
Intrépido nauta,
timoneiro seguro,
me traço uma rota
segundo as estrelas.
Meu barco deslisa
por todos os portos,
aos impulsos do vento,
sob açoites do mar.
Mas tenho destino:
procuro meu nome
na pedra insculpido
numa ilha perdida
da Ásia Menor.
Poema XII
Estrela peregrina,
onde te escondes?
que é do teu brilho?
do teu esplendor?
Onde a mensagem de luz?
Será que te foste a novas plagas,
a outra abóbada?
Ou apenas te recolheste,
exausta,
em procura do repouso profundo
das noites cósmicas?
Poema XIII
O grão de areia
a gota de água
a pétala
a chama
o vento
o homem
- Unidade por Deus facetada.
Poema XIV
"Ni importe que en el Gólgota
contemples la cruz..."
Angelus Silesius
Não basta
a contemplação
do divino sacrifício.
A cricifixão
há de repetir-se
no profundo,
como conquista definitiva.
Iniciação
Poema XV
Flor,
anseio por devassar-te
a vegetal intimidade.
Entanto, por mais
que te entremostres
em suave e fragrante oferenda,
meus olhos são impotentes
para o vislumbre
da tua alma.
continua
Breve: o livro completo!
" Eu sou a luz do mundo;
quem me segue, de modo algum andará em trevas,
mas terá a luz da vida."
João 8:12