Touros, Caça e outros Jogos





Sobre os Jogos, a Caça e os Touros


A mente humana está subjugada pelos desejos. Continua submersa na natureza inferior e egoísta. Esta situação dificulta ao espírito o domínio do corpo. Pode-se dizer que o homem é, por isso mesmo, um ser de desejo.

Ocorre, então, perguntar se ele pode deixar alguma vez de colher o prazer que é introduzido pelo desejo. De facto, o prazer toma lugar na vida humana como um valor entre outros que se oferecem à actividade (ou passividade) da nossa espécie.

Nenhuma cultura e nenhum ser humano pode fugir ao prazer ou à tentação do prazer e dos problemas que ele levanta.

O prazer tem grande importância na educação da criança. Obtém-no por meio dos jogos e brincadeiras infantis. Impedi-la de brincar é destruir-lhe o “imaginário pessoal”.

As brincadeiras e os jogos constituem uma técnica de adaptação social adequada à idade. Privar uma criança desse prazer causa-lhe enormes problemas afectivos.

Torna-a adulto prematuro e inadaptado. Algumas religiões modernas utilizam esse método para estabelecer o domínio sobre o espírito. É absurdo e anticientífico proibir as crianças de, na escola, se expandirem livremente, de serem chefes de turnia, de praticarem actividades extra-escolares ou de festejarem aniversários!

O jogo é uma actividade típica do homem. Distingue-se profundamente dos animais, não apenas graças à inteligência, à liberdade, à linguagem, etc., mas também pelo jogo. É que o homem, além de sapiens, é também homo ludens.

Diz-me como jogas...

Há várias maneiras de jogar: às cartas, ao xadrez, aos dados, fazer castelos na areia, ir ao cinema, tocar viola, etc.

Todas estas actividades são diferentes. À primeira vista nada têm com o jogo, mas, como as propriedades do jogo são a distracção e o divertimento, qualquer actividade que tenha aquele objectivo pode considerar-se um jogo. Por isso a caça é também um jogo. Ainda há quem se divirta assim!

Merecedores de pouca atenção, os jogos têm, no entanto, particular valor como espiões do mistério profundo da realidade humana.

Pelo simples facto de envolver a alegria, a satisfação e o sentimento de liberdade, o jogo supera o conhecer, o querer e o agir, porque as faculdades são postas em movimento sem submissões, de modo espontâneo, num acto que representa a genuína realização de si mesmo,

Podemos então afirmar: diz-me como jogas, dir-te-ei quem és.

O Jogo da Caça

Há 500 000 anos o homem vivia corno qualquer animal carnívoro. Alimentava-se de qualquer coisa que a Natureza lhe dava. Há uns 10 000 anos começou a aumentar a reserva de alimentos, a cultivar plantas e a dar o restolho aos animais. Pôde passar a estudá-los e a observar-lhes os hábitos em vez de os matar logo.

Fornecendo o leite e a lã, os animais tornaram-se despensas vivas e guarda-roupas ambulantes. A caça deixou gradualmente de ser necessária. Como não se pode fazer o menor progresso senão à custa de alguma faculdade que antes possuía (1), o homem abandonou os seus instintos predatórios, do tempo da selvajaria, para, em troca, ter mais memória e capacidade imaginativa. Mas terá abandonado, de facto, esses instintos predatórios?

O Caçador Moderno

A razão, ao desenvolver-se, dirigiu-se para outras actividades que não a caça. Por isso, na hora de caçar, a razão não intervém em maior dose do que há 10 000 anos atrás, quando a sobrevivência obrigava o homem a agir como as feras.

Quer dizer, por meio da caça, corno de qualquer jogo, consegue-se “fugir do nosso mundo”, irias à custa de uma marcha-atrás no tempo.

Por outras palavras, o caçador manda de férias o desenvolvimento, a civilização e, farto da modernidade, liberta o que lhe resta do instinto predatório de outros tempos.

As “Corridas de Touros”

Se na caça o homem põe de lado a civilização para gozar com a destruição, ao tentar medir forças com um animal, como o faz nas touradas, desce ao nível do quadrúpede, sentindo prazer no sangue que faz derramar (e, em alguns países, na imolação do animal).

A atracção pelo sangue é evidente em muitos animais: nos tubarões, nos galos de combate, etc. No ser humano está camuflada pela civilização. Revela-se pela curiosidade doentia pelos acidentes e filmes sangrentos, pelas fotografias e notícias de violência ou pelos rituais da “matança do porco”, da caça ao javali ou à raposa.

É evidente a atracção dos aficionados pelo sangue. O sangue é o símbolo mais evidente e universal da vida.

Está associado ao simbolismo da cor vermelha, do fogo, do calor, da vida e do Sol, a origem da vida.

Platão diz que os reis atlantes, quando se encontravam para discutir as leis, tinham de enfrentar sem armas touros selvagens, escolher um e sacrificá-lo. O culto ao touro também está presente na civilização minóica: o soberano de Creta e descendente de Zeus mantinha preso no labirinto seu filho, o Minotauro. O palácio de Cnosso revela no seu interior uma arena e relevos com cenas de touradas.

Os sacrifícios eram parte integrante e essencial de todas as religiões da Antiguidade. Para os gregos eram o símbolo da expiação e súplica propiciatória. No Egipto sacrificavam-se seres humanos em honra dos deuses.

A ligação entre o sangue e o sacrifício foi sempre uma constante no Antigo Testamento. Aquele que participava nessas cerimónias, nomeadamente comendo carnes sacrificadas, dava com isso, de certo modo, uma prova de lealdade. Essa aprova de lealdade acentuou-se na época em que um novo culto começou a difundir-se — a época dos imperadores — e se transformou em religião oficial do Império Romano.

Sendo os sacrifícios usuais entre os adeptos de quase todas as religiões da Antiguidade, a primeira condição para uma religião se tornar universal era desembaraçar-se dessas práticas. Foi o que aconteceu com o Cristianismo. Nos primeiros escritos cristãos, e no Apocalipse em particular, a questão dos sacrifícios está ligada à impudicícia (2).

Os adeptos das religiões antigas consideravam que o sangue era portador de forças mágicas. Uns (cultos de Cíbele e Mitra), consideravam-no um elemento purificador. Outros um elemento profanador.

Para estes últimos a perda de sangue causava a impureza da mulher (o que também acontecia depois do parto) por a colocar na zona temível e misteriosa que se situa entre a vida e a morte, entre os pólos puro e impuro.

Há, entre as religiões modernas, uma que proíbe, desde 1945, que os seus membros aceitem transfusões de sangue, mesmo em caso de morte iminente, numa manifestação de suprema lealdade à sua igreja.

Fundamenta pretensamente essa proibição nos textos bíblicos. Ora, as transfusões não eram conhecidas dos autores bíblicos, pelo que não se pode encontrar ali qualquer referência implícita. De facto, essa proibição não é mais do que a sobre vivência do antiquíssimo tabu de que se revestia o sangue e um autêntico sacrifício humano (4).

Apesar de os sacrifícios sangrentos da imolação do touro, de carácter mágico-religioso, terem sido proibidos já no longínquo ano 67 a. C. pelo Senado Romano, continuam a ser praticados em alguns países. Não fazem parte da tradição portuguesa, como vemos nas antigas descrições (em Forcalhos, concelho do Sabugal, ou em Cuba, Alentejo).

O homem moderno, que às vezes até se julga a-religioso e civilizado, está ainda fortemente influenciado por práticas e mitos ancestrais, camuflados por numerosos ritualismos degradados.

É o que se vê pelos livros que lê ou pelos espectáculos que prefere.

F. C.

Glossário

Cíbele e Mitra. Cíbele era uma deusa de origem frígia, protectora das terras não cultivadas. Os caracteres orgiáticos do seu culto foram assimilados ao de Baco. Da Grécia, o culto de Cíbele passou a Roma, no tempo da segunda Guerra Púnica. Mitra era um deus representado por um jovem a degolar um touro, O Mitraísmo desapareceu no séc. IV.

Civilização Minóica. Pertence a um período histórico que vai até ao séc. XH a. C. (o período anterior, ou Micénico, dura até 1600 a. C.). O Centro dessa cultura é Cnosso, na costa de Creta. Os dois período têm a designação geral de "cultura egeia", porque nascida no mar Egeu, na Grécia.

Touro. Símbolo da força, do macho impetuoso e da fecundidade. No Egipto, o deus Ápis era venerado sob a forma de um touro.

Sacrificio. Acto simbólico pelo qual o homem estabelece uma relação com o divino e a sua esfera. Em geral tem dois aspectos: oferta à divindade dos produtos da terra (primícias) e animais ou a oferta pessoal (ou colectiva) de urna vítima imolada.

Notas

1. Max Heindel, Conceito Rosacruz do Cosmo, 2ª Ed. Lisboa, 1989, pág. 239 e 364.
2. Ap. 11, 14, 20, etc.
3. Ainda hoje é associado a muitas concepções irracionais (Drácula).
4. O Génesis, citado como fundamento para esse preceito, não se refere a transfusões nem a sangue humano, mas unicamente a sangue animal e à alimentação. O sentido exacto encontra-se lendo os versículos anteriores. O Lev. (3,17) refere-se também, e só, à alimentação composta de carne e gordura. Assim sendo, ao comerem carne é que estarão, isso sim, em contravenção com as instruções bíblicas.

 


 Fonte: 

Fraternidade Rosacruz de Portugal


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Fraternidade Rosacruz de Portugal


 

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