O USO DO PERGAMINHO E O PECADO
ORIGINAL
por Antonio de Macedo
Para nós, cristãos, os 27 livros do Novo Testamento constituem o fundamento e a chave da nossa Escritura Sagrada. Durante o primeiro século, no tempo em que Jesus exerceu o Seu ministério – e mesmo bastante depois –, o papiro era o material de escrita mais correntemente utilizado em todo o Médio Oriente, Egipto, Ásia Menor, etc. A partir dos séculos iii-iv começou a generalizar-se o uso do pergaminho. Que alterações é que esta mudança acarretou?
Ouçamos o que nos dizem dois especialistas neotestamentários altamente reputados a nível internacional, Kurt Aland e Barbara Aland:
«Um manuscrito [em pergaminho] que contivesse um conjunto de escritos do Novo Testamento em formato médio, com cerca de 200-250 fólios de aproximadamente 25x19cm, exigia, pelo menos, as peles de cinquenta a sessenta carneiros ou caprinos» (Aland & Aland 1989, 77).
Ou seja, cada exemplar – e um só – do Novo Testamento, em pergaminho, exigia o sacrifício sangrento de um rebanho completo de animais… As cópias circulavam às centenas – uma autêntica matança açougueira, que durou séculos. Que significado podemos extrair desta constatação aterradora?
Recapitulemos um pouco a história da transmissão neotestamentária.
No tempo de Cristo ainda não havia Novo Testamento, como facilmente se compreende: quando Ele faz referência à Escritura, trata-se evidentemente da Escritura judaica, que os cristãos mais tarde começaram a designar por «Antigo Testamento» a fim de a distinguir da nova Escritura, exclusivamente cristã, que aliás só começou a ganhar forma como um todo autoritativo bastante tarde: por exemplo o corpus dos quatro Evangelhos só ficou estabelecido nos finais do século ii, embora o corpus paulino (as epístolas de Paulo, das quais sete não são autênticas) tivesse sido reconhecido mais cedo; as chamadas «Epístolas Católicas» (a deTiago, as duas de Pedro, as três de João e a de Judas) só foram reconhecidas no seu conjunto no século iv, e o Apocalipse permaneceu num limbo duvidoso durante vários séculos (Aland & Aland 1989, 167).
A Escritura judaica é constituída por três grupos de livros: a Torah (a «Lei», que compreendia os cinco livros do Pentateuco: Génesis, Êxodo, Levítico, Números e Deuteronómio), os Nevi’im (os «Profetas», ou «Livros Proféticos», como p. ex. Isaías, Ezequiel, Daniel, etc.) e os Khetuvim (os «Escritos», como p. ex. os Salmos, o Cântico dos Cânticos, o Eclesiastes, etc.).
Eram estes venerandos textos – sobretudo os dois primeiros, «a Lei e os Profetas» –, que Jesus lia no Templo e nas sinagogas, e comentava, para ensinar os Seus ouvintes, como vemos por exemplo em Lucas 4, 15-22 e noutros passos do Novo Testamento[1].
Quando, após a morte e a ressurreição de Cristo, os dois discípulos que se dirigiam a Emaús O encontraram na estrada e não O reconheceram, foram comentando com o «desconhecido», durante o caminho, a morte de «Jesus de Nazaré», referindo-se-Lhe como «um profeta poderoso em obra e em palavra». Nesse episódio se relata como Jesus, em vida, «interpretava as Escrituras» (Lucas 24, 27), e como «abria [o sentido] das Escrituras» (Lucas 24, 32). Ou seja, Jesus em diversas ocasiões tomou como ponto de partida, para as Suas prédicas, a «hermenêutica» que fazia desta ou daquela passagem das Escrituras judaicas, o que equivalia de certo modo à actividade do me-turgem-an, com a diferença de que este era um «leitor-intérprete» profissional, que, no Templo e nas sinagogas, traduzia para aramaico, e interpretava em voz alta, o texto hebraico lido pelo sacerdote durante as respectivas liturgias.
Convém recordar que a partir do século vi a. C., e coincidindo com as décadas do «exílio na Babilónia», o aramaico substituiu a pouco e pouco o hebraico entre os judeus, na linguagem falada e no uso corrente. O povo deixara de falar e entender o hebraico, que ficou apenas como lingua sagrada da Escritura. Daí a necessidade do intérprete: durante a liturgia os textos sagrados eram lidos em hebraico, e ao lado encontrava-se o tal me-turgem-an que traduzia em voz alta para aramaico e interpretava o respectivo texto. Esta actividade chamava-se targum, palavra aramaica que significa «tradução» ou «interpretação»; o me-turgem-an («leitor-intérprete», palavra que tem a mesma raiz de targum) não se limitava a traduzir e a dar uma interpretação mais ou menos moral ou mesmo alegórica: o targum visava também e sobretudo explicitar o sentido oculto da Escritura.
Embora os targums escritos começassem a aparecer gradualmente durante os primeiros séculos da era cristã (período talmúdico), só o targum oral fazia autoridade. O reconhecimento oficial do «Targum» escrito ocorreu apenas a partir do século v d. C.
Portanto, a tradição oral estava muito enraizada, e isto ocorria não só nas Escolas sacerdotais mas também, e sobretudo, nas Escolas mistéricas: a transmissão de boca a ouvido, ou de mestre a discípulo, era a regra; em certos casos era mesmo rigorosamente vedada qualquer passagem a escrito dos ensinamentos que o Mestre proferia.
Durante os três anos do ministério de Cristo e durante cerca de vinte anos após a Sua morte e ressurreição essa regra manteve-se: não há notícia de Cristo ter deixado algum texto doutrinário, e nem sequer lhe foi atribuído nenhum por algum discípulo mais zeloso, como era normal acontecer em diversas escolas místicas ou filosóficas desse tempo, em que falsos apógrafos circulavam em nome do mestre ou do fundador sem que ninguém se chocasse com isso – era uma maneira de conferir autoridade ao escrito e ao mesmo tempo de prestar homenagem ao mestre ou fundador. Como aliás aconteceu, por exemplo, com a Escola de Paulo: das 14 epístolas que compõem o corpus paulino do Novo Testamento, sete são autênticas, mas as outras sete foram redigidas por discípulos mais ou menos tardios, o que não obstou a que a sua autoria fosse atribuída a Paulo.
Isto significa que até bastante tarde se respeitou o conhecimento de que o Ensinamento de Jesus era destinado à transmissão oral, o que é característico duma Escola iniciática, portanto se aparecesse qualquer escrito «assinado» por Jesus, seria repudiado como espúrio para não dizer blasfemo. Os primeiros escritos cristãos que chegaram até nós, as epístolas de Paulo, apenas começaram a circular a partir do ano 50 d. C., e mesmo esses textos não são «tratados doutrinários» no sentido técnico do termo, mas meras cartas que Paulo ia endereçando às diferentes comunidades cristãs com reflexões sobre a sua experiência pessoal (e a sua interpretação) a respeito do Mistério Crístico, na sequência da Iniciação mistérica a que fora submetido – a famosa «conversão na estrada de Damasco».
Só na segunda metade do século primeiro é que as Escolas de Mistérios Cristãos sentiram necessidade de fixar por escrito um certo conjunto de alegorizações ritualísticas, tomando como base «os actos e os ditos» de Jesus – a chamada «literatura evangélica» que surgiu por essa altura. Daí o facto de Max Heindel (1865-1919) e Rudolf Steiner (1861-1925) referirem que os quatro Evangelhos canónicos são Rituais de Iniciação de quatro diferentes Escolas de Mistérios.
Como se disse há pouco, o papiro era o material de escrita preferencialmente utilizado nessa época e na vasta área geográfica abrangida pelo Império Romano.
Os manuscritos cristãos de que temos notícia, do primeiro e do segundo séculos, redigidos em grego e dos quais – ou dalguns dos quais – chegaram fragmentos até nós, são escritos em papiro.
A planta do papiro era abundantemente cultivada no delta do Nilo, mas também em outras regiões do Médio Oriente. É uma planta herbácea aquática cujos caules, encorpados e de secção rudemente triangular, chegam a ter uma grossura de 6 cm e podem alcançar uma altura de cerca de 5 a 6 metros. Os caules, depois de divididos em secções, eram cortados longitudinalmente, com instrumentos afiados, para produzir tiras que se colocavam lado a lado a fim de formar uma finíssima camada de «papel» com as fibras correndo paralelamente. Sobre essa camada colocava-se outra, cujas fibras ficavam a formar ângulo recto com as da primeira, e ambas eram humedecidas e pressionadas com um peso de modo que a «cola» da própria seiva unia as duas finíssimas folhas, que, depois de secas ao sol, formavam uma única e resistente folha de «papel».
Os livros resultantes, caligrafados pelos escribas, ou copistas, tinham a forma de rolos, com uma altura variável (25-30 cm) e um comprimento que podia atingir os 9 metros. O nome deriva dos dois suportes cilíndricos de madeira, em forma de rolo, em cada extremidade da extensa folha, o que permitia enrolar e desenrolar num sentido ou noutro. Depois do livro pronto e enrolado, era facilmente transportável.
Toda a literatura da época, inclusivamente a literatura judaica vulgar, era escrita sobre papiro, excepto a Escritura sagrada dos judeus, redigida em hebraico, que a tradição exigia que fosse escrita sobre pele de vitelo… (Aland & Aland 1989, 75 e 102). A quem deseje informar-se sobre o retrocesso que isto significa (sacrifício do novilho, ou bezerro), convida-se a leitura atenta dos seguintes trechos do Conceito Rosacruz do Cosmos : cap. XIII - «Em Direcção à Bíblia» (Heindel 1998, 246-253), e cap. XIV - «Análise Oculta do Génesis» - «Jahvé e a Sua Missão» (Heindel 1998, 263-265).
Os 96 manuscritos papiráceos dos escritos do Novo Testamento que chegaram até nós são na esmagadora maioria fragmentários, ou, se algum deles abrange algum dos livros neotestamentários do princípio ao fim, não deixa de apresentar lacunas em diversos pontos. Somente o papiro classificado como p72, do século iii ou iv, contém por inteiro as duas epístolas de Pedro e a epístola de Judas.
Destes 96 papiros o mais antigo é o fragmento p52, com duas passagens do capítulo 18 do Evangelho de João, e que os especialistas calculam que pode ser datado entre o ano 100 e o ano 125, ou seja, trata-se duma cópia valiosa, muito próxima do original, que se supõe ter sido escrito nos anos 90 do primeiro século (Ehrman & Holmes 2001, 3-18).
Uma novidade da literatura cristã é que todos estes manuscritos papiráceos (excepto quatro) não pertencem a rolos, mas sim a códices, incluindo o fragmento mais antigo, o tal do ano 100-125. Que quer isto dizer? Vimos que o «rolo» era o formato usual do livro desse tempo; os cristãos introduziram a novidade de cortar as folhas de papiro em cadernos de fólios rectangulares, encadernando-os em formato de livro protegido por duas capas, tal como os livros de hoje. Além disso introduziram também o hábito de escrever dos dois lados da mesma folha, ao contrário do que sucedia com os «rolos». É a estes livros de papiro que se dá o nome de «códices» (Aland & Aland 1989, 75-76).
Durante o primeiro e o segundo século os textos cristãos – incluso a literatura gnóstica de que temos magníficos exemplares nos códices achados em Nag Hammadi – eram exclusivamente escritos em papiro, um elemento vegetal. Esta fase coincide sensivelmente com a fase esotérica em que as comunidades jesuânicas, ainda próximas das Doutrinas e dos Actos do Mestre, transmitiam um ensinamento iniciático.
A pouco e pouco, porém, foi-se dando aquilo a que um certo número de especialistas bíblicos laicos convencionou chamar a «corrupção ortodoxa», ou seja, certas comunidades adulteraram os Ensinamentos num sentido exotérico, a fim de os impor em oposição vantajosa aos «mitos» do paganismo, dando origem à Cristologia perfilhada pela Grande Igreja (por exemplo Jesus de Nazaré igual a Deus, nascimento virginal de Jesus por obra do Espírito Santo, ressurreição de Cristo «em corpo», etc.). Essa Cristologia acabaria por se impor definitivamente no século iv com o apoio de Constantino, tomando conta do poder global religioso e destruindo com uma ferocidade sanguinária tudo quando fosse esotérico, mistérico e/ou iniciático, sob o anátema geral de «heresias» (Ehrman 1996, passim).
Esta terrível fase cresceu sensivelmente paralela com a grande expansão do uso do pergaminho.
Consideremos o seguinte quadro:
(Descobertos
até 2001, e devidamente classificados e catalogados)
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Data
aprox. |
Em papiro |
Em pergaminho |
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Século
II |
2 |
- |
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Ano
200 |
4 |
- |
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Séc.
III |
29 |
3 |
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Séc.
IV |
22 |
16 |
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Séc.
V |
10 |
44 |
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Séc.
VI |
11 |
61 |
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Séc.
VII |
13 |
33 |
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Séc.
VIII |
5 |
33 |
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Séc.
IX |
- |
70 |
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Séc.
X |
- |
146 |
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Séc.
XI |
- |
441 |
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Séc.
XII |
- |
588 |
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Etc. |
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Este quadro poderia prolongar-se até ao século xvi, com a definitva ausência do papiro e a crescente quantidade de manuscritos em pergaminho, datáveis até esse século, que foram sendo descobertos e catalogados. Com a invenção da imprensa no século xv e o uso generalizado do papel, o pergaminho caiu em desuso. O papel, que havia sido descoberto pelos chineses no século i d. C., espalhou-se no mundo ocidental através dos árabes e começou a ganhar popularidade sobretudo a partir do século xii, embora se conheça pelo menos um manuscrito do Novo Testamento, em papel, do século ix.
Actualmente os especialistas já conseguiram catalogar cerca de 5.400 manuscritos de textos do Novo Testamento, em papiro, pergaminho e papel: destes 5.400, cerca de 1.300 são em papel.
Associando estas informações com o exame do quadro anterior (e no que diz respeito apenas ao Novo Testamento), podemos extrair, para já, as seguintes conclusões:
(1) – O papiro, que foi o grande material de escrita nos primeiros séculos do Cristianismo, deixou de se usar definitivamente no século viii;
(2) – O pergaminho, que começou a ser usado, ainda que esporadicamente, no século iii, impôs-se definitivamente a partir do século iv, destronando o papiro em poucos séculos e duma forma irreversível;
(3) – O papiro, extraído do reino vegetal, serviu de veículo transmissor dos textos sagrados (mistéricos) durante os dois ou três séculos iniciais do Cristianismo, quando preponderavam ainda as comunidades cristãs iniciáticas ; por sua vez o papel, igualmente extraído do casto reino vegetal, passou a ser utilizado a partir do arranque dos grandes movimentos espirituais, o templarismo esotérico, os franciscanos Spirituali, a theosophia de Jacob Böhme e correntes derivadas, o Rosacrucismo do Renascimento – e até aos nossos dias, em que o «esoterismo cristão» ganha cada vez mais força e expansionismo;
(4) – Quando a dogmatologia exotérica da Grande Igreja se impôs, a partir do século iv e durante toda a Alta Idade Média («Dark Ages»: séculos v a xi), prosseguindo com as perseguições da Igreja aos Cátaros, a criação da Inquisição no século xiii e todos os criminosos desmandos da História eclesiástica, incluindo a ambição papal de exercer domínio e poderio sobre príncipes e imperadores, dando origem a guerras que ensanguentaram a Europa durante vários séculos, até à Reforma (século xv), o material utilizado para a propagação exotérica do Novo Testamento foi o pergaminho, extraído das peles de animais (como por exemplo o bode) caracterizados por um corpo de desejos de vibrações baixas e grosseiras.
(5) – Entre os séculos iv e xvii, por conseguinte, em que a intolerância religiosa da Igreja se exteriorizou através de violentas polémicas, aniquilações, guerras, cruzadas sanguinárias, inquisições e campanhas anti-«heréticas» de diversa índole, o derramamento de sangue humano resultante dessa conduta foi acompanhado, paralelamente, pelo derramamento de sangue animal com a finalidade de se multiplicarem cópias em pergaminho das Escrituras cristãs.
A efusão de sangue animal que a obtenção do pergaminho exige, e, mais ainda, para servir a transmissão dum texto sagrado, constitui uma perversiva contradição com o que preceituam os Ensinamentos Esotéricos de quase todas, senão mesmo de todas, as Escolas e correntes Iniciáticas, ocidentais ou orientais, que recusam praticar a magia negra associada ao derramamento do sangue nos seus ritos.
Reza a lenda (pelo menos tal como nos foi transmitida por Plínio o Velho) que o pergaminho foi inventado no tempo de Eumenes II (século ii a. C.), rei de Pérgamo, a mais importante cidade da Ásia Menor, onde floresceram artistas e eruditos e se tornou célebre pela sua biblioteca, com mais de 200 mil volumes, só rivalizada pela de Alexandria, no Egipto. Segundo a tradição, o rei Ptolomeu V do Egipto determinou um embargo à exportação de papiro com receio que a biblioteca de Pérgamo viesse a ultrapassar a «sua» biblioteca de Alexandria. Para obviar esse impedimento o rei Eumenes de Pérgamo determinou que se criasse e passasse a utilizar o pergaminho. (A palavra «pergaminho» deriva do adjectivo latino pergamenus, -a, -um, que significa «oriundo de Pérgamo»). Esta é a tradição que desde sempre tem circulado, embora se saiba que o pergaminho já era utilizado, em diversas regiões, bastante tempo antes. Provavelmente a origem da lenda residirá no facto de os pergaminhos de Pérgamo terem a reputação de ser muito finos e de grande qualidade.
Os animais mais correntemente usados para a obtenção do pergaminho eram as ovelhas, os carneiros, as cabras e os bodes, embora também se aproveitasse o vitelo ou o novilho com esse fim. Ora, estes são precisamente os típicos animais sacrificiais dos tempos jeovísticos…
Como se fazia a preparação do pergaminho? A pele do animal tem dois lados: o lado do pêlo e o lado sangrento donde foi retirada a carne. Tanto o pêlo como a carne eram raspados com uma solução cáustica de cal, sendo a pele, depois, cortada à medida das dimensões desejadas, polida e alisada com cré e pedra-pomes, a fim de ficar pronta para utilização. Mesmo depois deste preparo, a diferença entre o lado do pêlo e o lado da carne criava dificuldades ao ordenamento de manuscritos em pergaminho, porque um dos lados ficava sempre mais escuro e o outro mais claro.
Esfolar um animal para uma utilização profana é chocante, mas enfim, uma grande parte da humanidade ainda necessita do uso de carne, mas fazê-lo para uma utilização sagrada, depois da oblação de Cristo «uma vez por todas» (cf. Hebreus 9, 23-28), não é só chocante, é uma abominação que fere a sensibilidade de quem quer que se encontre num nível de espiritualidade mais consciente, por pouco elevado que ainda seja. No seu livro Cartas aos Estudantes (Carta n.º 90, Maio de 1918), o iniciado rosacruciano Max Heindel diz o seguinte:
«Decerto que pensar no sofrimento que se causa aos pobres animais, nos comboios a caminho do matadouro, e a agonia que precede o instante em que é desferido o golpe que ceifará as suas vidas e o ferro lhes cortará a garganta, induzirá quem quer que aspire à vida superior a sentir compaixão por essas pobres criaturas sem fala que não podem defender-se. […] Infelizmente, a complexidade da nossa civilização obriga-nos a usar couro em muitas coisas porque ainda não existem substitutos adequados no mercado, por exemplo em sapatos, cintos, etc.[2] Seja porém como for, deveríamos fazer todos os possíveis para evitar o uso de qualquer material que provenha do corpo dum animal e que exija a sua morte» (Heindel 1975, 222).
Assim sendo, como se devem entender os sacrifícios sangrentos exigidos por Jahvé, no Antigo Testamento bíblico, como lemos por exemplo nas prescrições sacrificiais do Génesis ou do Levítico?
Tecnicamente, esses sacrifícios devem ser entendidos segundo dois níveis de interpretação: pedagógico e iniciático.
De um ponto de vista pedagógico, é importante compreender que os textos da Bíblia se referem na esmagadora maioria dos casos a realidades simbólicas e parabólicas, e não se limitam a relatar eventos históricos à maneira grega de um Heródoto, por exemplo, embora este tenha servido de modelo para certos textos judaicos, tardios, de carácter histórico-descritivo. A humanidade mencionada nos livros mais antigos da Bíblia reporta-se às Épocas Polar, Hiperbórea, Lemúrica e Atlante, numa fase em que a humanidade infante necessitava de aprender determinado número de lições para fins evolutivos.
Enquanto o ser humano não atingiu um certo grau de desenvolvimento, não tinha a noção de que a sua natureza espiritual eterna era independente da sua natureza física, e superior a esta. Para ele o físico era tudo; por isso se diz na Bíblia, nos livros referentes ao chamado «período patriarcal», que as recompensas e os castigos de Jahvé tinham de ser concedidos em vida, porque os judeus dos tempos patriarcais não possuíam nenhuma noção de imortalidade. Uma vez que o sacrifício é fundamental para o progresso espiritual, é evidente que a vida que deve ser sacrificada é a que se centra na natureza animal; mas como o homem então pensava que essa natureza inferior era a sua única realidade, não se lhe podia exigir que a sacrificasse porque isso equivalia à sua aniquilação. Assim, a Lei desses tempos exigia-lhe que sacrificasse as suas posses ou riquezas materiais, que consistiam quase sempre em gado e animais, em expiação vicária do seus pecados. Os animais sacrificados no Altar dos Holocaustos (Tabernáculo no Deserto) simbolizam portanto a natureza carnal do ser humano que tem de ser consumida, com o sal da dor, no fogo da aflição e do remorso. A dor é a grande mestra: é ela que limpa os desejos inferiores e prepara o Corpo de Desejos para a vida superior. Ou seja: a purificação é a finalidade pedagógica (e oculta) dos sacrifícios no Altar dos Holocaustos (cf. Heline I-1990, 280-281).
O nível iniciático, por sua vez, complementa e ilumina o nível pedagógico. Quando Abrão[3] perguntou a Jahvé como poderia saber que iria possuir, de facto, a terra que lhe estava destinada, Jahvé ordenou-lhe que fizesse um sacrifício: «Toma uma novilha de três anos, uma cabra de três anos, um cordeiro de três anos, uma rola e um pombinho» (Génesis 15, 9).
A iniciada rosacruciana Corinne Heline (1882-1975) ajuda-nos a compreender o contexto iniciático na sua obra-mestra New Age Bible Interpretation : Abrão cumpriu o que Jahvé lhe ordenara, mas não se tratou de nenhuma cerimónia sacrificial sangrenta, pois todo o episódio descrito ocorre num nível suprafísico (Heline I-1990, 88-89). C. Heline recorda-nos que as verdades espirituais mais profundas nunca são passadas a escrito, mas sim transmitidas oralmente, de mestre a discípulo, e sempre de acordo com o grau de entendimento que o discípulo está apto a apreender. É por isso que o relato escrito, necessariamente fragmentário, de certas «experiências anímicas» resulta obscuro e enigmático para quem não tenha atingido o nível de consciência e de desenvolvimento de alma que lhe permita a confirmação através do «conhecimento directo» ou «em primeira mão» – tal como ensina Max Heindel no Capítulo XVII do Conceito Rosacruz do Cosmos.
Com efeito, a agonia e a morte dum ser vivo que acompanham o sacrifício animal não contribuem em nada para formar as asas que a alma desenvolve na sua elevação aos níveis superiores, tal como lemos noutro passo da Bíblia: «Amor fiel é o que me agrada, não sacrifícios; gnose de Deus, não holocaustos» (Oseias 6, 6). Este preceito da Escritura judaica é parafraseado por Jesus quando os fariseus O criticaram por se encontrar em casa, a comer, acompanhado de publicanos e notórios pecadores: «Ide e aprendei o que significa: Compaixão quero e não o sacrifício; pois não vim a chamar os justos, mas sim os que erram» (Mateus 9, 13).
A epístola aos Hebreus declara peremptoriamente: «Porque é impossível que o sangue de touros e de bodes tire os pecados [no original: “apague os erros”]» (Hebreus 10, 4).
A chave astrológica dá-nos, desde logo, um primeiro acesso ao sentido iniciático da acima referida ordenação de Jahvé: – a novilha é o símbolo do signo do Touro, e o seu sacrifício significa a renúncia dos desejos sexuais e dum amor meramente egoísta e personalizado; a cabra é o símbolo do Capricórnio e significa o sacrifício da ambição e do poder mundanos; o cordeiro é o simbolo do signo Carneiro e representa a ressurreição dos poderes vitais mediante a castidade e a transmutação; finalmente a rola e o pombinho são símbolos do signo Balança, e referem-se às experiências subtis que pôem à prova a capacidade de discernimento neste estágio de realização espiritual (Heline I-1990, ibid.).
Vemos por estes exemplos extraídos da Escritura que coexistem aqui duas componentes entrelaçadas: a necessidade de sublimação dos desejos sexuais (sacrifício da natureza animal do ser humano) e a necessidade de se acabar algum dia com a matança dos animais, nossos «irmãos menores» (abolição do sacrifício vicário e/ou utilitário dos seres vivos do reino animal).
Ambos estes items – ou cada um deles de per si –, na sua fase primordial (e transgressiva), constituem o que tem sido chamado o «pecado original». Em qualquer dos casos, a consequência do «pecado original» foi, para o ser humano, uma situação de declínio e ruína que se convencionou designar por «Queda», e que se pode definir como a passagem dum estado de beatífica harmonização interna/externa para um estado de consciência da dor e da morte.
Este conceito de «pecado original» pode ser apreendido segundo três modelos de cognição:
– Modelo teológico-exotérico;
– Modelo esotérico;
– Modelo laico.
Para os teólogos cristãos, o «pecado original» tem justificação na Bíblia, e constitui a condição moralmente degradada em que cada pessoa se encontra ao nascer, por pertencer a uma espécie «geneticamente» pecadora. Este pecado «genético» é uma consequência herdada do primeiro pecado humano, o de Adão. Não há acordo entre os teólogos quanto à interpretação da narrativa bíblica sobre a «desobediência» de Adão, ao comer o fruto proibido do «conhecimento do bem e do mal», mas, duma forma geral, concordam que o «pecado original» deriva do facto de cada ser humano não vir ao mundo como indivíduo isolado, mas como um membro duma raça que herdou, no seu conjunto, as boas e as más características da sua história passada.
No entanto, em todo o Antigo Testamento não se fala em «transmissão hereditária» duma condição inicial pecaminosa; apenas há referência, no Génesis, às consequências naturais daquele acto: a mulher passará a parir em dores e o homem dominá-la-á (predomínio do patriarcalismo), e o homem por sua vez tirará da terra o seu sustento com trabalhos penosos e suor do rosto, e a terra produzir-lhe-á espinhos e abrolhos (Génesis 3, 16-19).
No Novo Testamento tão-pouco há referência a uma condição pecaminosa hereditária; o eminente teólogo jesuíta Karl Rahner (1904-1984), um dos mais conceituados teólogos do século xx, acentua categoricamente que não se encontra em nenhum dos Evangelhos a ideia de que o estado actual da humanidade seja devido ao «primeiro pecado». Já no século xviii o Iluminista Voltaire dizia o mesmo, com a veia satírica que o caracteriza: «Em suma, os judeus conheceram o pecado original tanto quanto conheceram as cerimónias chinesas; e, embora os teólogos costumem encontrar tudo o que querem na Escritura, ou totidem verbis, ou totidem litteris, podemos garantir que um teólogo razoável jamais encontrará aí esse mistério surpreendente» (Voltaire 1964, 310-311).
Os teólogos mais renitentes e conservadores, porém, não deixam de citar uma passagem – de interpretação, aliás, difícil – da epístola de Paulo aos Romanos (5, 12-19), em que se estabelece um paralelismo entre Adão e Jesus Cristo: pela desobediência de Adão entrou a morte no mundo e muitos foram constituídos pecadores; pela obediência e pela justiça de Cristo muitos serão constituídos justos. Para a Igreja católica, só no Concílio de Trento e durante o primeiro período de trabalhos do Concílio (1545-1547) é que ficaram definidas a natureza e as consequências do «pecado original».
O ritual do Baptismo, que no Cristianismo primitivo, esotérico, era uma Iniciação mistérica de alto significado, passou a ser, com a exoterização da Igreja e da sua tradição dogmática, um acto purificatório para «remissão dos pecados», e as crianças tinham de ser baptizadas a fim de ficarem limpas do «pecado original» que haviam herdado do transgressivo Adão.
Portanto, de um ponto de vista estritamente exotérico, o «pecado original» seria um acto de desobediência que a primitiva humanidade (Adão e Eva) teria cometido ao infringir uma ordenação divina. Essa desobediência, instigada pela «serpente» e praticada em primeiro lugar por Eva, que em seguida desencaminhou Adão, explica-se, sgundo a exegese rabínica, pelo facto de o nome de Eva [hebr. hawah, «vida», Génesis 3, 20] se poder associar ao termo aramaico hewyâ, «serpente», donde resulta a interpretação de que a serpente foi a ruína de Eva e Eva por sua vez foi a «serpente» de Adão. Certos autores admitem que este mito possa ter alguma conexão com uma serpente-divindade fenícia, chamada hwt.
De um ponto de vista esotérico – pelo menos segundo as correntes neo-ocultistas perfilhadas por H. P. Blavatsky, Rudolf Steiner, Max Heindel, Corinne Heline, Francisco Marques Rodrigues, Edmundo Teixeira, etc. – o pecado original foi uma transgressão cometida pela humanidade nos seus primórdios, transgressão essa relacionada com a propagação da espécie.
Cingindo-nos ao Conceito Rosacruz do Cosmos, de Max Heindel, podemos resumir a evolução da Terra ao longo da «Quarta Revolução» do «Período Terrestre», em que nos encontramos presentemente – e de acordo com a terminologia técnica adoptada –, como um percurso pautado pelas seguintes grandes Épocas: 1.ª - Polar; 2.ª Hiperbórea; 3.ª Lemúrica; 4.ª Atlante; 5.ª - Ariana (actual); 6.ª - Nova Galileia ou Reino de Deus.
Max Heindel refere ainda uma 7.ª Época, a última, mas não lhe atribui nenhum nome (Heindel 1998, 218).
Somente nos finais da 3.ª Época (Lemúrica) é que surgiu a primeira Raça verdadeiramente humana – a chamada Raça Lemúrica; na Época Atlante houve sete Raças, e na Época Ariana sucederam-se, até agora, cinco Raças (pertencemos, cronologicamente, à 5.ª Raça), faltando ainda cumprir-se duas até ao final da Época. Na próxima 6.ª Época, Nova Galileia, haverá apenas uma Raça, que será a última (Heindel 1998, 218-219; 241).
Nos tempos Lemúricos a propagação da espécie e os nascimentos eram realizados sob a direcção dos Anjos, os quais por sua vez eram guiados por Jahvé, o regente da Lua. A função procriadora exercia-se em determinadas alturas do ano, quando as linhas de força entre os planetas formavam o ângulo apropriado. Como a força criadora não encontrava nenhum obstáculo, o parto realizava-se sem dor. Os futos da Árvore do Conhecimento do Bem e do Mal (Génesis 2, 16-17) fizeram com que o espírito se tornasse consciente da carne (Génesis 3, 6-7), os homens e as mulheres «conheceram-se» e começaram a praticar a fecundação independentemente das forças solares e lunares apropriadas, abusaram da função sexual para gratificar os sentidos, e os seus descendentes continuaram a mesma prática. Donde resultou a dor que passou a acompanhar o processo de gestação e nascimento, bem como as enfermidades e outros sofrimentos (Heindel 1998, 223 e 227).
A «serpente» do Génesis simboliza os Espíritos Lucíferos pertencentes à onda de vida dos Anjos, do Período Lunar (anterior ao actual Período Terrestre), e eram os «atrasados» dessa onda de vida Angélica. Necessitavam dum cérebro humano para aquisição de conhecimento, e penetraram na coluna espinal e no cérebro das mulheres, mais aptas a receber essa influência devido à sua inata capacidade imaginativa (Heindel 1998, 283). Assim, os Lucíferos despertaram a consciência pictórica dos seres humanos para o fogo serpentino da kundalini : foram os instigadores da actividade mental e do concomitante egoísmo, e inculcaram o conhecimento de que para vencer a morte bastaria que os humanos se entregassem à actividade sexual desenfreada a fim de criar e multiplicar novos seres.
A «Queda» resultante deste facto, traduzida em dor e morte, terá de ser redimida com o sacrifício da natureza animal do ser humano, como já se assinalou mais atrás; o respectivo simbolismo bíblico, como também já se assinalou, é a expiação através da carne queimada pelo fogo e pelo sal no Altar dos Holocaustos. Esta «carne queimada», segundo Max Heindel, é um símbolo espiritual da acção do fogo da consciência, que faz de nós um «sacrifício vivo» no altar do nosso Templo Interno, o fogo da consciência desperta que nos aflige e queima ao adquirirmos a plena e sincera percepção dos nossos erros.
Os antropólogos, os sociólogos, os psicólogos, os historiadores e os etnólogos têm examinado e estudado sob diversos ângulos o facto de o mito do «pecado original» não ser exclusivo do Cristianismo, mas encontrar-se dissemimado através dos tempos nas mais diferentes geografias e culturas.
Neste ponto, naturalmente, as posições dos estudiosos extremam-se: os mais radicais, como por exemplo os neo-darwinistas ateus, negam pura e simplesmente o conceito, como por exemplo o evolucionista G. Richard Bozart: «Qualquer estudante liceal conhece o suficiente sobre a evolução para saber que em nenhuma parte da teoria evolucionária das nossas origens aparece um Adão ou uma Eva ou um Eden ou um fruto proibido. A evolução significa o desenvolvimento duma forma para a seguinte, a fim de defrontar os desafios sempre em mudança duma natureza sempre em mudança, e poder vencê-los. Não há nem houve nenhuma queda a partir dum estado prévio de sublime perfeição» (G. Richard Bozart, «The Meaning of Evolution», in American Atheist Magazine, September 1979, p. 30).
Curiosamente, o cristão heterodoxo Celestius, do século v, discípulo de Pelágio, assume pela primeira vez uma posição que costuma ser invocada por modernos agnósticos para ridicularizar a ideia dum pecado original, posição essa que lhe valeu ser excomungado nada menos de três vezes: uma pelo bispo Aurélio no Concílio de Cartago em 412, outra pelo papa Inocêncio I em 417 e uma terceira pelo papa Celestino I no Concílio de Éfeso, em 431. Celestius rejeitou a ideia dum pecado original, afirmando: «Adão teria de morrer, em qualquer caso, quer tivesse pecado quer não. O pecado de Adão apenas recaiu sobre ele, e não sobre toda a raça humana». Consequentemente, também rejeitou a remissão dos pecados pelo Baptismo.
No entanto, como se disse há pouco, o mito de que um acontecimento terrível, antiquíssimo, se tornou fautor da infelicidade humana, tem sido encontrado sob variadas formas em diversas mitologias e religiões. Um dos mais antigos desses mitos é o do divino Zagreu, filho de Zeus e de Perséfone, considerado o «primeiro Diónysos». Instigados pela deusa Hera, esposa de Zeus e ciumenta de Perséfone, os Titans raptaram o divino Zagreu, que se metamorfoseara em touro para lhes escapar, despedaçaram-no e comeram-no, em parte cru, em parte cozinhado. Um mito semelhante foi encontrado no Egipto, na Fenícia e na Frígia.
Os Mistérios Órficos ritualizaram este mito através duma dramatologia que incide na «culpa» e na «purificação», e respectivo ciclo de reencarnações, consequência do «pecado original» da humanidade descendente dos Titans, assassinos (e devoradores) de Zagreu, ou do touro em que se transformara (Rego 1989, 45-46).
Aqui associam-se dois «crimes» primevos: (1) a matança de um deus ancestral e (2) o início da alimentação carnívora, perpetrada duma forma dual: (1) canibalística (o deus é antropomorfo), e (2) utilizando a carne dum mamífero (bovino).
A análise duma situação arcaica deste tipo, e seus efeitos subsequentes, foi exposta pela primeira vez por Freud no seu livro Totem e Tabu (1912), e desenvolvida por ele posteriormente (cf. Freud 1990, passim), bem como por outros investigadores da mesma linha. Segundo Freud, o arcaico sistema patriarcal teve o seu fim durante uma rebelião dos filhos que se aliaram contra o pai, simultaneamente tirânico, temido e venerado, dominaram-no e devoraram-no. A partir daí a família organizou-se de acordo com o sistema matriarcal, e, em lugar do pai, foi erigido um totem com a figura de um determinado animal representativo, considerado como antecessor colectivo e ao mesmo tempo como génio tutelar. Uma vez por ano a comunidade masculina reunia-se num banquete e o animal representado no totem era despedaçado e comido em comum. Ninguém podia abster-se deste banquete, que representava a repetição solene do parricídio, origem dos ulteriores tabus e prescrições religiosas que tinham por finalidade redimir, ou pelo menos minorar, as consequências nefastas desse acto. Muitos autores admitem a correspondência entre o «banquete totémico» e a «comunhão cristã» (Freud 1990, 122-132 e 194-196).
Outros autores, embora não desprezando o significado da morte do pai, elevado à dignidade de um deus e criando nos seus descendentes uma «crise neurótica» de culpa permanentemente redimida e reactivada, preferem considerar a tradição de um início histórico em que o ser humano começou a devorar animais, seus semelhantes na escala dos seres vivos. Um dos primeiros a expor esta teoria foi o investigador, mitólogo e filósofo da história comparada das religiões José Teixeira Rego (1881-1934), no seu livro Nova Teoria do Sacrifício (1918). Baseando-se em estudos já então disponíveis nos inícios do século xx, Teixeira Rego refere: «A Pré-História dá-nos o homem caçador, pescador, ao passo que os antropóides são frugívoros, e, factos notáveis, o homem conserva o aparelho digestivo dum frugívoro, nas suas tradições refere-se a um passado de frugívoro, tem uma repugnância instintiva pela carne crua, e, finalmente, grande parte das suas doenças são devidas às toxinas dos alimentos animais. Ainda hoje, apesar das inevitáveis modificações que longos séculos de omnivorismo produziram, existe a possibilidade no homem duma alimentação exclusivmente frugívora, tantos e tantos séculos foram frugívoros os nossos antepassados antropóides!» (Rego 1989, 26-27).
Descontemos o facto de no tempo de Teixeira Rego se utilizar o termo «antropóide» num sentido evolucionáro que hoje não tem, embora se perceba a que espécie de «pré-homem» o autor se quer referir: actualmente a ciência admite que os antropóides e o ser humano tiveram uma remota origem comum – o que coincide com a posição defendida no Conceito Rosacruz do Cosmos por Max Heindel –, sendo mais correcto afirmar-se que os actuais antropóides descendem duma antiquíssima linhagem humana degenerada. Seja como for, a mudança de regime, de vegetariano para carnívoro, acarretou diversas alterações, como a necessidade de caçar a presa, o desenvolvimento do cérebro, e consequentes rudimentos de civilização mercê do aperfeiçoamento mental, com os correlativos excessos sexuais e quebra da natural periodicidade – as funções sexuais passaram a exercer-se em todo o tempo –, seguindo-se-lhes a fabricação de instrumentos e a guerra com todos os seus horrores. Foi a origem do bem e do mal (Rego, ibid.).
Entre as modificações causadas pelo uso da carne como novo alimento, ocorreram algumas referidas em vários mitos: a queda do pêlo e as dificuldades e dores do parto, além da proliferação de enfermidades (Rego, ibid.). Teixeira Rego e outros autores opinam portanto que a «Queda» se deveu à introdução do alimento animal, derivando dessa causa perturbadora o principal factor da infelicidade humana. O poema iniciático Metamorfoses, de Ovídio (43 a. C.-17 d. C.), refere esse factor nos seguintes termos:
«Havia um homem [o Iniciado Pitágoras], nativo de Samos, que fugira de Samos e dos senhores da ilha por detestar a tirania, preferindo viver voluntariamente no exílio. Com a sua mente espiritual aproximou-se dos deuses, embora muito distantes nas regiões do céu, e percebeu com os olhos do intelecto o que a natureza negava aos olhares do homem comum. […] Foi o primeiro a denunciar o costume de servir carne de animais à mesa, e também o primeiro a pronunciar, com a sua boca sábia, estas palavras: “Abstende-vos, mortais, de contaminar os vossos corpos com alimentos ímpios! Tendes os cereais e as frutas que inclinam os ramos com o seu peso, e os abundantes cachos de uvas nas vinhas, e as verduras saborosas, e nem o leite nem o mel perfumado vos estão vedados. A terra generosa proporciona-vos um sem-fim de fecundos alimentos pacíficos, e oferece-vos banquetes sem necessidade de matança nem de sangue. Só os animais é que saciam a fome com carne, e nem sequer todos. […] Ah, que grande crime é introduzir vísceras nas próprias vísceras, e engordar o corpo insaciável enchendo-o com outro corpo, e que um ser vivo viva da morte doutro ser vivo. […] Mas um primeiro instigador funesto, não sei quem, sentiu inveja da comida dos leões e sepultou no seu ventre ávido alimentos corpóreos, abrindo o caminho para o crime”» (Ovídio, Metamorfoses, livro XV).
É interessante verificar, ao mesmo tempo, em variados mitos de diversas civilizações, como aparecem interligados o factor alimentar carnívoro e a desregração sexual: esse binómio que compõe o «pecado original» surge-nos por exemplo na epopeia de Gilgamesh bem como noutros textos da literatura cuneiforme, além de, com mais ou menos variantes, em contos populares do antigo Egipto, em lendas do México pré-colombiano, nas tradições maias-quichés, na Índia, na China, etc.
De acordo com a Bíblia, a humanidade era vegetariana antes da expulsão do paraíso terrestre: «Eis que vos dou toda a erva que dá sementes sobre a terra, e todas as árvores frutíferas que contêm semente; isto vos servirá de alimento» (Génesis 1, 29).
Ainda segundo a Bíblia, a alimentação carnívora começou depois do Dilúvio: quando Noé e sua família, e todos os animais que estavam na arca, aportaram a terra após a retirada das águas, Deus disse a Noé e aos seus flhos:
«Sede fecundos, multiplicai-vos e enchei a terra. Sede o terror e o medo de todos os animais na terra e de todas as aves nos céus; e tudo o que se move na terra e de todo o peixe no mar; estão entregues nas vossas mãos. Tudo o que vive e se move servirá para vosso alimento; dou-vos tudo isto, tal como vos dei a folhagem das plantas» (Génesis 9, 1-3).
Na sequência deste relato, surge-nos um bisneto de Noé, Nimrod, do qual se diz que «foi o primeiro homem possante sobre a terra; era um poderoso caçador aos olhos de Jahvé, daí o adágio: “Como Nimrod, poderoso caçador aos olhos de Jahvé”» (Génesis 10, 8-9).
Max Heindel explica-nos que a alimentação carnívora dos seres humanos e o aparecimento do «caçador» Nimrod estão mal colocados na Bíblia (Heindel 1977, 22), e que a correcta sequência dos acontecimentos – em função das Épocas citadas no cap. XV deste artigo – deverá ser a seguinte (Heindel 1985, 218-225):
– 1 Época Polar – Humanidade semelhante aos minerais – Figura simbólica: Adão, formado de «barro»;
– 2 Época Hiperbórea – O Corpo Denso da humanidade foi revestido com o Cospo Etérico ou Vital, e os seres humanos tornaram-se semelhantes às plantas – Figura simbólica: Caim, cultivador de cereais;
– 3 Época Lemúrica – O Corpo de Desejos foi acrescentado à humanidade, que se tornou semelhante ao animal – Figura simbólica: Abel, pastor que não matava os animais para deles se alimentar, mas que se utilizava do leite;
– 4 Época Atlante – A Mente foi acrescentada ao ser humano para que finalmente se estabelecesse o elo entre o Espírito e o Corpo – Figura simbólica: Nimrod, «poderoso caçador», uma vez que se tornara necessário introduzir a carne na alimentação humana: Nimrod simboliza os reis atlantes anteriores ao Dilúvio;
– 5 Época Ariana (actual) – Tempo em que o ser humano teve de atingir o ponto mais baixo da materialidade, indispensável para conquistar e dominar a matéria – Figura simbólica: Noé, que introduziu a cultura da vinha e o uso do vinho – Este novo alimento, juntamente com a carne, provocou o transitório obscurecimento das verdades espirituais, permitindo à humanidade alcançar o máximo da sua evolução material.
A partir de uma determinada etapa desta 5.ª Época, e depois de ter «batido no fundo», começará para o ser humano a evolução espiritual com a substituição do egoísmo pelo amor e pelo altruísmo, ao mesmo tempo que a carne e o vinho serão abolidos da dieta alimentar por já terem cumprido a sua função, tornando-se altamente perniciosa e negativa, desse ponto em diante, a insistência no seu uso.
Em função de tudo quanto se disse até agora, que significado poderemos atribuir à recaída na especial forma de sacrifício animal correspondente ao uso do pergaminho para a transmissão exotérica dos textos sagrados cristãos, entre os séculos iv e xvi?
Lançando um olhar sobre a história da civilização ocidental, há a tendência para se considerar que o máximo da materialidade foi atingido nos séculos xix e xx com o racionalismo materialista e historicista de Karl Marx, o positivismo comteano, a revolução industrial, o capitalismo liberal e neo-liberal, e revolução científica e tecnológica…
Mas há que distinguir entre o materialismo filosófico e o materialismo espiritual, pese embora a aparente contradição de termos neste último caso. O primeiro é uma atitude do intelecto que afecta sobretudo o comportamento mundano, teórico-prático, do ser humano, ao passo que o último é uma atitude que rebaixa ao nível da carne o que é exclusivo do espírito – como por exemplo dogmatizar a virgindade carnal da Virgem Mãe, a ressurreição carnal de Cristo, a transubstanciação em carne e sangue autênticos, de Cristo, na hóstia consagrada, a ressurreição da carne no final dos tempos… É um retrocesso à memória dos antigos tempos do canibalismo e dos sacrifícios sangrentos.
O materialismo filosófico que se desenvolveu nos séculos xix e xx e que, de certo modo, continuará por algum tempo, é como um adubo fertilizador duma espiritualidade nova – aliás cada vez mais evidente e preponderante –, e mais apta a desvendar e a trazer à Luz o verdadeiro Deus Interno de cada homem e de cada mulher, uma espiritualidade mais responsável, mais consciente e mais propícia a elevar as nossas almas até às luminosas «asas do Sol de Justeza».
Por outro lado, na chamada «Idade das Trevas» e nos séculos que se lhe seguiram até à invenção da imprensa – que fez aumentar em flecha o uso do papel, abolindo por fim o uso do pergaminho –, o derramamento de sangue sacrificial de carneiros e bodes para que nas suas peles se inscrevessem textos sagrados correspondeu a uma fase de obscurecimento, ou de materialismo espiritual, em que a Igreja procurou, pela hipocatástase da carne, difundir o que não podia realizar pelo espírito tal como se exemplificou atrás.
Parafraseando Max Heindel bem como o conhecido passo dos Actos dos Apóstolos: a Igreja desses negros tempos já não podia dizer, como Pedro, «não possuo ouro nem prata», nem ao paralítico «levanta-te e caminha».
No entanto, esta fase transitória, terrível, de retrocesso simbólico ao «bode expiatório» (Levítico 16, 26) que era enviado ao deserto, para a divindade maléfica Azazel, levando sobre si todos os pecados e iniquidades do povo[4], foi necessária a fim de preparar e dar origem, por violenta reacção, ao surto científico e ao Iluminismo dos séculos xvii e xviii, indispensáveis – com todos os seus perigos e riscos – para a conquista da matéria e renovada emergência do espírito. Estes perigos e riscos são precisamente o fermento que fará com que os seres humanos possam enfim tomar plena consciência do que é ser senhor da recta consciência (intelectual, moral e emocional), e ascender, pela liberdade do Espírito, à Nova Era de Luz que se avizinha.
Pode-se ser tentado a contra-argumentar com a óbvia constatação de que o máximo de materialismo e de irreligiosidade, atingidos nos séculos xix e xx, coincidiu com a total generalização do papel, do «casto» reino vegetal, e que o carniceiro pergaminho já deixara de ser usado pelo menos há três ou quatro séculos.
Sem dúvida; no entanto, o tema deste artigo não tem a ver com os textos profanos, mas apenas, no caso que nos ocupa, com a transmissão dos textos sagrados e, mais especificamente, com a transmissão do Novo Testamento – o grande pólo atractor da Escritura Sagrada Cristã.
O materialismo positivista e neo-positivista dos séculos xix e xx é uma fase de «prova» que a humanidade profana tem de atravessar – e saber vencer – a fim de evoluir espiritualmente. Em contrapartida, foi precisamente nos séculos xix e xx, de triunfante «racionalidade instrumental», que a literatura esotérica se multiplicou de forma nunca vista – «racionalidade aberta» –, tal como se multiplicaram as edições da Bíblia em papel e em traduções num número cada vez maior de línguas –
Este facto – tradução do especial texto sagrado que é a Bíblia em milhares de línguas – cria uma aura de entrelaçamento entre as diversíssimas línguas sob a forma de um elo, ou de um «pensamento cordial comum»: o do Reino de Deus anunciado por Cristo. Curioso e misterioso estratagema místico, que nos permite abrir as portas duma Nova Era vencedora da maldição de Babel !
Esta proliferação de edições e traduções da Bíblia, nada casual, coincide com as novas hermenêuticas de carácter esotérico que, a par duma Esoterologia aprofundada, obtiveram finalmente aceitação académica com inclusão nos programas curriculares de diversas e prestigiosas universidades.
Po fim, mas não por último, não deixemos de ponderar o facto assinalável de ser cada vez mais acentuada a tendência para a alimentação vegetariana, sobretudo entre as gerações mais jovens, com a eliminação gradual do consumo de carne. Os restaurantes vegetarianos proliferam, bem como os «pratos vegetarianos» em muitos restaurantes convencionais, além de que proliferam igualmente as indústrias que produzem, manufacturam e transformam alimentos vegetarianos – sinal seguro de que há cada vez mais procura por parte dos consumidores, ou seja: por parte do público em geral.
O próximo passo a dar será a gradual abolição do álcool na alimentação – que também já começa a ser preterido, em não raros casos, por certas camadas da juventude.
Acompanhemos pois, atentamente, as mudanças vindouras, que incidirão sem dúvida na forma como as Escrituras Sagradas vão passar a ser comunicadas e transmitidas.
Gravadas primeiramente em pedra (mineral), depois em papiro (vegetal), seguidamente em pergaminho (animal – ponto mais baixo), a sua transmissão reascendeu ao vegetal (papel), e… o próximo passo será a reutilização do reino mineral (revolução já em curso), através do silício dos computadores e dos CDs, ou, melhor ainda, das ondas etéricas da Internet e do ciberespaço e do que vier a seguir…
Grandes transmutações se avizinham. Saibamos estar preparados, espiritualmente, para elas.
António de
Macedo
Agosto de 2003
Principais referências
bibliográficas:
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FREUD, Sigmund, Moisés e a Religião Monoteísta [Der Mann Moses und die Monotheistische Religion, 1939], trad. Paulo Samuel, Guimarães Editores, Lisboa 1990.
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vols., New Age Bible & Philosophy Center, Santa Monica (I vol. 6.ª ed. 1990; II vol. 4.ª ed. 1984; III vol. 1986; IV vol. 5.ª ed. 1985; V vol. 5.ª ed. 1984; VI vol. 5.ª ed. 1984; VII vol. 6.ª ed. 1988).
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VOLTAIRE, Dictionnaire Philosophique (1764), Garnier-Flammarion, reed. Paris 1964.
[1] Há um passo no Evangelho de João que parece dar a entender que Jesus era um iletrado, ao referir que Jesus, ensinando no Templo, suscitou a admiração dos judeus que se interrogavam: «Como é que este sabe de letras (gr. grammata oîden), sem tê-las aprendido?» (João 7, 14-15). O instrutor rosacruciano Edmundo Teixeira (1922-1994), no seu Curso de Cristianismo Esotérico (vol. 3, lição n.º 51) esclarece: «Os de Jerusalém (hierosolimitanos) tinham a certeza que Jesus não havia cursado a Escola Rabínica, para assim conhecer as Escrituras. Acontece que os fariseus representavam o ensino predominante, externo e público, mas os Essénios, além do preparo exotérico, tinham a sabedoria esotérica, que a sua tradição conservava em manuscritos secretos». Ora, Jesus fora educado pelos Essénios, conforme lemos no Conceito Rosacruz do Cosmos : «Jesus foi educado pelos Essénios e alcançou um elevado grau de desenvolvimento espiritual durante os trinta anos em que usou o seu corpo» (Heindel 1998, 299).
[2] Apesar de alguns inconvenientes ecológicos que a evolução da tecnologia sem dúvida acabará por resolver, os diversos tipos de plásticos – materiais sintéticos constituídos por macromoléculas poliméricas, formados a partir de celulose, caseína, petróleo, etc. – são já um indício de que a actual civilização deu um passo importante no sentido de substituir as peles e os ossos dos animais num variadíssimo leque de fins (botões, correias, estofos, vestuário, etc. etc.).
[3] Este famoso patriarca, filho do patriarca pós-diluviano Terah (Génesis 11, 27), começou por se chamar Abrão (hebr. Avram). Mais tarde (Génesis, capítulo 17), num episódio de alto significado esotérico que atesta bem a importância do «poder vibratório dos nomes», Deus mudou o nome de Abrão para Abraão (hebr. Avraham), na sequência da Aliança que fez com ele e da promessa de que seria «pai de muitas nações».
[4] No Médio Oriente antigo os demónios eram deuses menores, seres supraterrenos inferiores, actuando sobre as pessoas para o bem ou para o mal. Segundo o Antigo Testamento bíblico, os demónios nada podiam contra os que estavam sob a protecção de Jahvé (Salmo 91 [90], 5-6), mas actuavam sobre os que se encontravam longe de Deus – por exemplo no deserto (Isaías 13, 21; 34, 14; 50, 39). É o caso de Azazel, demónio do deserto referido no Levítico (16, 8-10.20-26). Supõem os mitólogos que devia tratar-se, inicialmente, de um demónio local, que para ser exorcizado exigia o sacrifício dum bode. Mais tarde aparece associado ao rito da Festa da Expiação (Levítico, cap. 16), e o «bode expiatório» (caper emissarius, segundo a Vulgata Latina) levava para o deserto os pecados de Israel.
Antônio Macedo
António de Macedo nasceu, em Lisboa, em 5 de Julho de 1931.
No início da sua carreira, e durante alguns anos, exerceu a profissão de arquitecto que abandonou em 1964 para se dedicar ao cinema, à literatura, à pesquisa de músicas de vanguarda. Especializou-se na investigação das religiões comparadas, das tradições esotéricas, de história da filosofia e da estética audio-visual, da literatura fantástica e da ficção científica, temas que tem abordado em inúmeros colóquios e conferências, e em diversas publicações.
Inclui na sua extensa filmografia dezenas de documentários e programas televisivos, bem como filmes de longa-metragem entre as quais se destacam Domingo à Tarde (1965), Nojo aos Cães (1970), A Promessa (1972), O Princípio da Sabedoria (1975), As Horas de Maria (1976), Os Abismos da Meia-Noite (1982), Os Emissários de Khalôm (1987), A Maldição de Marialva (1989), Chá Forte com Limão (1993), etc.
Entre os seus livros contam-se, no ensaísmo, A Evolução Estética do Cinema (1959-1960), Da Essência da Libertação (1961), Instruções Iniciáticas (1999) e Laboratório Mágico (2002), e, na ficção, O Limite de Rudzky (1992), Contos do Androthélys (1993), Sulphira & Lucyphur (1995), A Sonata de Cristal (1996), Erotosofia (1998) e O Cipreste Apaixonado (2000).
Tem leccionado em diversas instituições de ensino desde 1970: no IADE, na Universidade Lusófona, na Universidade Moderna e na Universidade Nova de Lisboa, regendo cadeiras como Teoria e Prática do Cinema, Análise de Imagem, Arte Narrativa e Esoterismo Bíblico.
Foi um dos promotores dos «Encontros Internacionais de Ficção Científica & Fantástico de Cascais», que se iniciaram em 1996, e de cuja Comissão Coordenadora tem feito parte.
Páginas Esotéricas por Antonio de Macedo
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